PROTO-EVANGELHO DE TIAGO
A INFÂNCIA DE CRISTO SEGUNDO TIAGO
A Natividade de Maria
Segundo narram as memórias das doze tribos de Israel, havia um homem muito rico, de
nome Joaquim, que fazia suas oferendas em quantidade dobrada, dizendo:
— O que sobra, ofereça-o para todo o povoado e o devido na expiação de meus pecados
será para o Senhor, a fim de ganhar-lhe as boas graças.
Chegou a grande festa do Senhor, na qual os filhos de Israel devem oferecer seus
donativos. Rubem se pôs à frente de Joaquim, dizendo-lhe:
— Não te é lícito oferecer tuas dádivas, enquanto não tiveres gerado um rebento em
Israel.
Joaquim mortificou-se tanto que se dirigiu aos arquivos de Israel, com intenção de
consultar o censo genealógico e verificar se, porventura, teria sido ele o único que não
havia tido prosperidade em seu povoado.
Examinando os pergaminhos, constatou que todos os justos haviam gerado
descendentes. Lembrou-se, por exemplo, de como o Senhor deu Isaac ao patriarca Abraão,
em seus derradeiros anos de vida.
Joaquim ficou muito atormentado, não procurou sua mulher e se retirou para o deserto.
Ali armou sua tenda e jejuou por quarenta dias e quarenta noites, dizendo:
— Não sairei daqui nem sequer para comer ou beber, até que não me visite o Senhor
meu Deus. Que minhas preces me sirvam de comida e de bebida.
Ana lamentava-se e gemia dolorosamente, dizendo:
— Chorarei minha viuvez e minha esterilidade.
Chegou, porém, a grande festa do Senhor e disse-lhe Judite, sua criada:
— Até quando vais humilhar tua alma? Já é chegada a festa maior e não te é lícito
entristecer-te. Toma este lenço de cabeça, que me foi dado pela dona da tecelagem, já que
não posso cingir-me com ele por ser eu de condição servil e levar ele ao selo real.
Disse Ana:
— Afasta-te de mim, pois que não fiz tal coisa e, além do mais, o Senhor já me
humilhou em demasia para que eu o use. A não ser que algum malfeitor o haja dado e
tenhas vindo para fazer-me também cúmplice do pecado.
Replicou Judite:
— Que motivo tenho eu para maldizer-te, se o Senhor já te amaldiçoou não te dando
fruto de Israel?
Ana, ainda que profundamente triste, despiu suas vestes de luto, cingiu-se com um
toucado, vestiu suas roupas de bodas e desceu, na hora nona, ao jardim para passear. Ali viu
um loureiro, assentou-se à sua sombra e orou ao Senhor, dizendo:
— Ó Deus de nossos pais! Ouve-me e bendize-me da maneira que bendisseste o ventre
de Sara, dando-lhe como filho Isaac!
Tendo elevado seus olhos aos céus, viu um ninho de passarinhos no loureiro e
novamente lamentou-se dizendo:
— Ai de mim! Por que nasci e em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser
como terra maldita entre os filhos de Israel. Estes me cumularam de injúrias e me
escorraçaram do templo de Deus. Ai de mim! A quem me assemelho eu? Não às aves do
céu, pois elas são fecundas em tua presença, Senhor. Ai de mim! A quem me pareço eu?
Não às bestas da terra, pois que até esses animais irracionais são prolíficos ante teus olhos,
Senhor. Ai de mim! A quem me posso comparar? Nem sequer a estas águas, porque até elas
são férteis diante de ti, Senhor. Ai de mim! A quem me igualo eu? Nem sequer a esta terra,
porque ela também é fecundada, dando seus frutos na ocasião própria e te bendiz, Senhor.
Eis que se lhe apresentou o anjo de Deus, dizendo-lhe:
— Ana, Ana, o Senhor escutou teus rogos! Conceberás e darás à luz e de tua prole se
falará em todo o mundo.
Ana respondeu:
— Viva o Senhor meu Deus, que, se chegar a ter algum fruto de bênção, seja menino ou
menina, levá-lo-ei como oferenda ao Senhor e estará a seu serviço todos os dias de sua
vida.
Então vieram a ela dois mensageiros com este recado:
— Joaquim, teu marido, está de volta com seus rebanhos, pois que um anjo de Deus
desceu até ele e lhe disse que o Senhor escutou seus rogos e que Ana, sua mulher, vai
conceber em seu ventre.
Tendo saído Joaquim, mandou que seus pastores lhe trouxessem dez ovelhas sem
mancha.
Disse ele:
— Estas serão para o Senhor.
Mandou, então separar doze novilhas de leite, dizendo:
— Estas serão para os sacerdotes e para o sinédrio.
Finalmente, mandou apartar cem cabritos para todo o povoado.
Ao chegar Joaquim com seus rebanhos, estava Ana à porta e, ao vê-lo chegar, pôs-se a
correr e atirou-se ao seu pescoço dizendo:
— Agora vejo que Deus me bendisse copiosamente, pois, sendo viúva, deixo de sê-lo e,
sendo estéril, vou conceber em meu ventre.
Então Joaquim repousou naquele dia em sua casa.
No dia seguinte, ao ir oferecer sua dádivas ao Senhor, dizia para consigo mesmo:
— Saberei se Deus me vai ser favorável se eu chegar a ver o éfode do sacerdote.
Ao oferecer o sacrifício, observou o éfode do sacerdote, quando este se acercava do
altar de Deus, e, não encontrando pecado algum em sua consciência, disse:
— Agora vejo que o Senhor houve por bem perdoar todos os meus pecados.
Desceu Joaquim justificado do templo e foi para casa. O tempo de Ana cumpriu-se e no
nono mês deu à luz.
Perguntou à parteira:
— A quem dei à luz?
A parteira respondeu:
— Uma menina.
Então Ana exclamou:
— Minha alma foi enaltecida — e reclinou a menina no berço.
Ao fim do tempo marcado pela lei, Ana purificou-se, deu o peito à menina e pôs-lhe o
nome de Maria.
Dia a dia a menina ia robustecendo-se. Ao chegar aos seis meses, sua mãe deixou-a só
no chão, para ver se sustentava-se de pé. Ela, depois de andar sete passos, voltou ao regaço
de sua mãe. Esta levantou-se, dizendo:
— Salve o Senhor! Não andarás mais por este solo, até que te leve ao templo do
Senhor.
Fez-lhe um oratório em sua casa e não consentiu que nenhuma coisa vulgar ou impura
passasse por suas mãos. Chamou, além disso, umas donzelas hebréias, todas virgens, para
que a entretivessem.
Quando a menina completou um ano, Joaquim deu um grande banquete, para o qual
convidou os sacerdotes, os escribas, o sinédrio e todo o povo de Israel. Apresentou a
menina aos sacerdotes, que a abençoaram assim:
— Ó Deus de nossos pais, bendiz esta menina e dá-lhe um nome glorioso e eterno por
todas as gerações.
Ao que todo o povo respondeu:
— Assim seja, assim seja! Amém!
Apresentou-a também Joaquim aos príncipes e aos sacerdotes e estes a abençoaram
assim:
— Ó Deus Altíssimo, põe teus olhos nesta menina e outorga-lhe uma bênção perfeita,
dessas que excluem as ulteriores.
Sua mãe levou-a ao oratório de sua casa e deu-lhe o peito. Compôs, então, um hino ao
Senhor Deus, dizendo:
— Entoarei um cântico ao Senhor meu Deus, porque me visitaste, afastaste de mim o
opróbrio de meus inimigos e me deste um fruto santo, que é único e múltiplo a seus olhos.
Quem dará aos filhos de Rubem a notícia de que Ana está amamentando? Ouvi, ouvi, ó
Doze Tribos de Israel: Ana está amamentando!
Tendo deixado a menina para que repousasse na câmara onde havia o oratório, saiu e
pôs-se a servir os comensais. Estes, uma vez terminada a ceia, saíram regozijando-se e
louvando ao Deus de Israel.
Entretanto, os meses iam-se passando para a menina. Ao fazer dois anos, disse Joaquim
a Ana:
— Levemo-la ao templo do Senhor para cumprir a promessa que fizemos, para que
Senhor não a reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos.
Ana respondeu:
— Esperamos, todavia, até que complete três anos, para que a menina não tenha
saudades de nós.
Joaquim respondeu:
— Esperaremos.
Ao chegar aos três anos, disse Joaquim:
— Chama as donzelas hebréias que não têm mancha e que tomem, duas a duas, uma
candeia acesa e a acompanhem, para que a menina não olhe para trás e seu coração seja
cativado por alguma coisa fora do templo de Deus.
Assim fizeram enquanto iam subindo ao templo de Deus. Lá recebeu-a o sacerdote, o
qual, depois de tê-la beijado, abençoou-a e exclamou:
— O Senhor engrandeceu teu nome diante de todas as gerações, pois que, no final dos
tempos, manifestará em ti sua redenção aos filhos de Israel.
Fê-la sentar-se no terceiro degrau do altar. O Senhor derramou graças sobre a menina,
que dançou cativando toda a casa de Israel.
Saíram, então, seus pais, cheios de admiração, louvando ao Senhor Deus porque a
menina não havia olhado para trás. Maria permaneceu no templo como uma pombinha,
recebendo alimento pelas mãos de um anjo.
Ao completar doze anos, os sacerdotes reuniram-se para deliberar, dizendo:
— Eis que Maria cumpriu doze anos no templo do Senhor. Que faremos para que ela
não chegue a manchar o santuário?
Disseram ao sumo sacerdote:
— Tu que tens o altar ao teu cargo, entra e ora por ela. O que o Senhor te disser, isso
será o que haveremos de fazer.
O sumo sacerdote, cingindo-se com o manto das doze sinetas, entrou no Santo dos
Santos e orou por ela. Eis que um anjo do Senhor apareceu, dizendo-lhe:
— Zacarias, Zacarias, sai e reúne a todos os viúvos do povoado. Que cada um venha
com um bastão e o daquele em que o Senhor fizer um sinal singular, deste será ela a esposa.
Saíram os arautos por toda a região da Judéia e, ao soar a trombeta do Senhor, todos
acudiram.
José, deixando de lado sua acha, uniu-se a eles. Uma vez que se juntaram todos,
tomaram cada qual seu bastão e puseram-se a caminho, à procura do sumo sacerdote. Este
tomou todos os bastões, entrou no templo e pôs-se a orar. Terminadas as suas preces,
tomou de novo os bastões e os entregou, mas em nenhum deles apareceu sinal algum.
Porém, ao pegar José o último, eis que uma pomba saiu dele e se pôs a voar sobre sua
cabeça. Então o sacerdote disse:
— A ti coube a sorte de receber sob tua custódia a Virgem do Senhor.
José replicou:
— Tenho filhos e sou velho, enquanto que ela é uma menina. Não gostaria de ser objeto
de zombaria por parte dos filhos de Israel.
Então tornou o sacerdote:
— Teme ao Senhor teu Deus e tem presente o que fez Ele com Datan, Abiron e Corê,
de como abriu-se a terra e foram sepultados por sua rebelião. Teme agora tu também, José,
para que não aconteça o mesmo a tua casa.
Ele, cheio de temor, recebeu-a sob proteção. Depois, disse-lhe:
— Tomei-te do templo. Deixo-te agora em minha casa e vou continuar minhas
construções. Logo voltarei. O Senhor te guardará.
Os sacerdotes, então, reuniram-se e concordaram em fazer um véu para o templo do
Senhor.
O sumo sacerdote disse:
— Chama algumas donzelas sem mancha, da tribo de Davi.
Os ministros se foram e, depois de terem procurado, encontraram sete virgens. Então o
sacerdote lembrou-se de Maria, a jovenzinha que, sendo de estirpe davídica, se conservava
imaculada aos olhos de Deus. Os emissários foram buscá-la.
Depois de as terem introduzido no templo, disse o sacerdote:
— Vejamos qual há de bordar o ouro, o amianto, o linho, a seda, o zircão, o escarlate e
a verdadeira púrpura.
O escarlate e a verdadeira púrpura couberam a Maria que, tomando-as, foi para casa.
Naquela época, Zacarias ficou mudo, sendo substituído por Samuel, até quando pôde
falar novamente. Maria tomou em suas mãos o escarlate e pôs-se a tecê-lo.
Certo dia, pegou Maria um cântaro e foi enchê-lo de água. Eis que ouviu uma voz que
lhe dizia:
— Deus te salve, cheia de graça! O Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres!
Ela olhou a sua volta, à direita, à esquerda, para ver de onde vinha aquela voz.
Tremendo, voltou para casa, deixou a ânfora, pegou a púrpura, sentou-se no divã e pôs-se a
tecê-la. Logo um anjo do Senhor apresentou-se diante dela, dizendo:
— Não temas, Maria, pois alcançaste graça ante o Senhor onipotente e vais conceber
por Sua palavra!
Ela, ao ouví-lo, ficou perplexa e disse consigo mesma:
— Deverei eu conceber por virtude de Deus vivo e haverei de dar à luz como as demais
mulheres?
Ao que lhe respondeu o anjo:
— Não será assim, Maria, pois que a virtude do Senhor te cobrirá com sua sombra.
Depois, o fruto santo que deverá nascer de ti será chamado de Filho do Altíssimo. Chamarlhe-ás Jesus, pois Ele salvará seu povo de suas iniqüidades. Então, disse Maria:
— Eis aqui a escrava do Senhor em Sua presença. Que isto aconteça a mim conforme
Sua palavra.
Concluído seu trabalho com a púrpura e o escarlate, levou-o ao sacerdote. Este a
abençoou dizendo:
— Maria, o Senhor enaltecer seu nome e serás bendita entre todas as gerações da terra.
Cheia de alegria, Maria foi à casa de sua parente Isabel. Chamou-a da porta e, ao ouvíla, Isabel largou o escarlate, correu para a porta, abriu-a e, vendo Maria, louvou-a dizendo:
— Que fiz eu para que a mãe do meu Senhor venha a minha casa? Pois saiba que o
fruto que carrego em meu ventre se pôs a pular dentro de mim, como que para bendizer-se.
Maria havia se esquecido dos mistérios que o anjo Gabriel lhe comunicara, elevou os
olhos aos céus e disse:
— Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?
Passou três meses em casa de Isabel. Dia a dia seu ventre aumentava e, cheia de temor,
pôs-se a caminho de casa e escondia-se dos filhos de Israel. Quando sucederam essas
coisas, ela contava dezesseis anos.
Ao chegar Maria ao sexto mês de gravidez, voltou José de suas construções e, ao entrar
em casa, deu-se conta de que ela estava grávida. Então, feriu seu próprio rosto, jogou-se no
chão sobre uma manta e chorou amargamente, dizendo:
— Como é que me vou apresentar agora diante do meu Senhor? E que oração direi eu
agora por esta donzela, pois que a recebi virgem do templo do Senhor e não a soube
guardar? Será que a história de Adão se repetiu comigo? Assim como no instante em que
ela estava glorificando a Deus veio a serpente e, ao encontrar Eva sozinha, a enganou, o
mesmo me aconteceu.
Levantando-se, José chamou Maria e disse-lhe:
— Predileta como eras de Deus, como foste capaz de fazer isso? Acaso te esqueceste do
Senhor teu Deus? Com pudeste vilipendiar tua alma, tu que te criaste no Santo dos Santos e
recebeste alimento das mãos de um anjo?
Ela chorou amargamente dizendo:
— Sou pura e não conheço varão algum.
Replicou José:
— De onde, pois, provém o que carregas no seio?
Ao que Maria respondeu:
— Pelo Senhor, meu Deus, eu juro que não sei como aconteceu.
José encheu-se de temor, retirou-se da presença de Maria e pôs-se a pensar sobre o que
faria com ela. Dizia consigo próprio:
— Se escondo seu erro, contrario a lei do Senhor. Se a denuncio ao povo de Israel, temo
que o que acontecer a ela se deva a uma intervenção dos anjos e venha a entregar à morte
uma inocente. Como deverei proceder, pois? Mandá-la embora às escondidas.
Enquanto isso, caiu a noite. Eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos,
dizendo-lhe:
— Não temas por esta donzela, pois o que ela carrega em suas entranhas é fruto do
Espírito Santo. Dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, pois que ele há de salvar
seu povo dos pecados.
Ao despertar, José levantou-se, glorificou a Deus de Israel por haver-lhe concedido tal
graça e continuou guardando Maria.
Por essa ocasião, veio à casa de José um escriba chamado Anás, que lhe disse:
— Por que não compareceste à nossa reunião?
Respondeu-lhe José:
— Estava cansado da caminhada e decidi repousar este primeiro dia.
Ao voltar-se, Anás deu-se conta da gravidez de Maria.
Então, correu ao sacerdote, dizendo-lhe:
— Esse José, por quem respondes, cometeu uma falta grave.
— Que queres dizer com isso? — perguntou o sacerdote. Ao que respondeu Anás:
— Pois violou aquela virgem que recebeu do templo de Deus, com fraude de seu
casamento e sem manifestá-lo ao povo de Israel.
Disse o sacerdote:
— Estás certo de que foi José que fez tal coisa?
Replicou Anás:
— Envia uma comissão e te certificarás de que a donzela está realmente grávida.
Saíram os emissário e encontraram-na tal qual havia dito Anás. Por isso levaram-na,
juntamente com José, ante o tribunal.
O sacerdote iniciou, dizendo:
— Maria, como fizeste tal coisa? Que te levou a vilipendiar tua alma e esquecer-te do
Senhor teu Deus? Tu que te criaste no Santo dos Santos, que recebias alimento das mãos de
um anjo, que escutaste os hinos e que dançavas na presença de Deus? Como fizeste isso?
Ela se pôs a chorar amargamente, dizendo:
— Juro pelo Senhor meu Deus que estou pura em sua presença e que não conheci
varão.
Então o sacerdote dirigiu-se a José, perguntando-lhe:
— Por que fizeste isso?
Replicou José:
— Juro pelo Senhor meu Deus, que me encontro puro com relação a ela.
Acrescentou o sacerdote:
— Não jures em falso! Dize a verdade! Usaste fraudulentamente o matrimônio e não o
deste a conhecer ao povo de Israel. Não abaixaste tua cabeça sob a mão poderosa de Deus,
por quem sua descendência havia sido bendita.
José guardou silêncio.
— Devolve, pois — continuou o sacerdote, — a virgem que recebeste do templo do
Senhor.
José ficou com os olhos marejados em lágrimas. Acrescentou ainda o sacerdote:
— Farei com que bebais da água da prova do Senhor e ela vos mostrará, diante de
vossos próprios olhos, vossos pecados.
Tomando da água, fez José bebê-la, enviando-o em seguida à montanha, de onde voltou
são e salvo. Fez o mesmo com Maria, enviando-a também à montanha, mas ela voltou sã e
salva.
Toda a cidade encheu-se de admiração ao ver que não havia pecado neles.
Disse o sacerdote:
— Posto que o Senhor não declarou vosso pecado, tampouco irei condenar-vos.
Então despediu-os. Tomando Maria, José voltou para casa cheio de alegria e louvado ao
Deus de Israel.
Veio uma ordem do imperador Augusto para que se fizesse o censo de todos os
habitantes de Belém da Judéia.
Disse José:
— A meus filhos posso recensear, mas que farei desta donzela? Como vou incluí-la no
censo? Como minha esposa? Envergonhou-me. Como minha filha? Mas já sabem todos os
filhos de Israel que não é! Este é o dia do Senhor, que se faça a sua vontade.
Selando sua asna, fez com que Maria se acomodasse sobre ela. Enquanto um de seus
filhos ia à frente, puxando o animal pelo cabresto, José os acompanhava. Quando estavam a
três milhas de distância de Belém, José virou-se para Maria e viu que ela estava triste.
Disse consigo mesmo:
— Deve ser a gravidez que lhe causa incômodo.
Ao voltar-se novamente, encontrou-a sorrindo e indagou-lhe:
— Maria, que acontece, pois que algumas vezes te vejo sorridente e outras triste?
Ela lhe disse:
— É que se apresentam dois povos diante de meus olhos: um que chora e se aflige e
outro que se alegra e se regozija.
Ao chegar à metade do caminho, disse Maria a José:
— Desça-me, porque o fruto de minhas entranhas luta por vir à luz.
Ele a ajudou a apear da asna, dizendo-lhe:
— Aonde poderia eu levar-te para resguardar teu pudor, já que estamos em campo
aberto?
Encontrando uma caverna, levou-a para dentro e, havendo deixado seus filhos com ela,
foi buscar uma parteira na região de Belém.
Eis que José encontrou-se andando, mas não podia avançar. Ao levantar seus olhos para
o espaço, pareceu lhe ver como se o ar estivesse estremecido de assombro.
Quando fixou vista no firmamento, encontrou-o estático e os pássaros do céu, imóveis.
Ao dirigir seu olhar à terra, viu um recipiente no solo e uns trabalhadores sentados em
atitude de comer, com suas mãos na vasilha.
Os que pareciam comer, na realidade não mastigavam, e os que estavam em atitude de
pegar a comida, tampouco a tiravam do prato. Finalmente, os que pareciam levar os
manjares à boca, não o faziam, ao contrário, tinham seus rostos voltados para cima.
Também havia umas ovelhas que estavam sendo tangidas, mas não davam um passo.
Estavam paradas. O pastor levantou sua destra para bater-lhes com um cajado, mas parou
sua mão no ar.
Ao dirigir seu olhar à corrente do rio, viu como uns cabritinhos punham nela seus
focinhos, mas não bebiam. Em uma palavra, todas as coisas estavam afastadas, por uns
instantes, de seu curso normal.
Então uma mulher que descia da montanha disse-lhe:
— Aonde vais?
Ao que ele respondeu:
— Ando procurando uma parteira hebréia.
Ela replicou:
— Mas és de Israel?
Ele respondeu:
— Sim.
— E quem é a que está dando à luz na caverna?
— É minha esposa.
— Então, não é tua mulher?
Ele respondeu:
— É Maria, a que se criou no templo do Senhor, e ainda que me tivesse sido dada por
mulher, não o é, pois que concebeu por virtude do Espírito Santo.
Insistiu a parteira:
— Isso é verdade?
José respondeu:
— Vem e verás.
Então a parteira se pôs a caminho junto com ele. Ao chegar à gruta, pararam, e eis que
esta estava sombreada por uma nuvem luminosa.
Exclamou a parteira:
— Minha alma foi engrandecida, porque meus olhos viram coisas incríveis, pois que
nasceu a salvação para Israel. De repente, a nuvem começou a sair da gruta e dentro
brilhou uma luz tão grande que seus olhos não podiam resistir. Esta, por um momento,
começou a diminuir tanto que deu para ver o menino que estava tomando o peito da mãe,
Maria. A parteira então deu um grito, dizendo:
— Grande é para mim o dia de hoje, já que pude ver com meus próprios olhos um novo
milagre.
Ao sair a parteira da gruta, veio ao seu encontro Salomé.
— Salomé, Salomé! — exclamou. — Tenho de te contar uma maravilha nunca vista.
Uma virgem deu à luz; coisa que, como sabes, não permite a natureza humana.
Salomé replicou:
— Pelo Senhor, meus Deus, não acreditarei em tal coisa, se não me for dado tocar com
os dedos e examinar sua natureza.
Havendo entrado a parteira, disse a Maria:
— Prepara-te, porque há entre nós uma grande querela em relação a ti.
Salomé, pois, introduziu seu dedo em sua natureza, mas, de repente, deu um grito,
dizendo:
— Ai de mim! Minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa! Por descrer do
Deus vivo, desprende-se de meu corpo minha mão carbonizada.
Dobrou os joelhos diante do Senhor, dizendo:
— Ó Deus de nossos pais! Lembra-te de mim, porque sou descendente de Abraão, Isaac
e Jacó! Não faças de mim um exemplo para os filhos de Israel! Devolve-me curada, porém,
aos pobres, pois que tu sabes, Senhor, que em teu nome exercia minhas curas, recebendo de
ti meu salário!
Apareceu um anjo do céu, dizendo-lhe:
— Salomé, Salomé, Deus escutou-te. Aproxima tua mão do menino, toma-o e haverá
para ti alegria e prazer.
Acercou-se Salomé e o tomou, dizendo:
— Adorar-te-ei, porque nasceste para ser o grande Rei de Israel.
De repente, sentiu-se curada e saiu em paz da gruta. Nisso ouviu uma voz que dizia:
— Salomé, Salomé, não contes as maravilhas que viste até estar o menino em
Jerusalém.
José dispôs-se a partir para Judéia. Por essa ocasião, sobreveio um grande tumulto em
Belém, pois vieram um magos dizendo:
— Aonde está o recém-nascido Rei dos Judeus, pois vimos sua estrela no Oriente e
viemos para adorá-lo?
Herodes, ao ouvir isso, perturbou-se. Enviou seus emissários aos magos e convocou os
príncipes e os sacerdotes, fazendo-lhes esta pergunta:
— Que está escrito em relação ao Messias? Aonde ele vai nascer?
Eles responderam:
— Em Belém da Judéia, segundo rezam as escrituras. Com isso, despachou-os e
interrogou os magos com estas palavras:
— Qual é o sinal que vistes em relação ao nascimento desse rei?
Responderam-lhes os magos:
— Vimos um astro muito grande, que brilhava entre as demais estrelas e as eclipsava,
fazendo-as desaparecer. Nisso soubemos que a Israel havia nascido um rei e viemos com a
intenção de adorá-lo.
Replicou Herodes:
— Ide e buscai-o, para que também possa eu ir adorá-lo!
Naquele instante, a estrela que haviam visto no Oriente voltou novamente a guiá-los,
até que chegaram à caverna e pousou sobre a entrada dela. Vieram, então, os magos a ter
com o Menino e Sua mãe, Maria, e tiraram oferendas de seus cofres: ouro, incenso e mirra.
Depois, avisados por um anjo para que não entrassem na Judéia, voltaram a suas terras
por outro caminho.
Ao dar-se conta Herodes de que havia sido enganado, encolerizou-se e enviou seus
sicários, dando-lhes a missão de assassinar todos os meninos de menos de dois anos.
Quando chegou até Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de temor e,
envolvendo seu filho em fraldas, colocou-o numa manjedoura.
Quando Isabel inteirou-se de que também buscavam a seu filho João, pegou-o e levou-o
a uma montanha. Pôs-se a ver onde haveria de escondê-lo, mas não havia um lugar bom
para isso. Entre soluços, exclamou em voz alta:
— Ó Montanha de Deus, recebe em teu seio a mãe com seu filho, pois que não posso
subir mais alto.
Nesse instante, abriu a montanha suas entranhas para recebê-los. Acompanhou-os uma
grande luz, pois estava com ele um anjo de Deus para guardá-los.
Herodes prosseguia na busca de João e enviou seus emissários a Zacarias para que lhe
dissessem:
— Aonde escondeste teu filho?
Ele respondeu desta maneira:
— Eu me ocupo do serviço de Deus e me encontro sempre no templo. Não sei onde está
meu filho.
Os emissários informaram a Herodes tudo o que se passara e ele encolerizou-se muito,
dizendo consigo mesmo:
— Deve ser seu filho que vai reinar em Israel.
Enviou, então, um outro recado, dizendo-lhe:
— Diga-nos a verdade sobre onde está teu filho, porque do contrário bem sabes que teu
sangue está sob minhas mãos.
Zacarias respondeu:
— Serei mártir do Senhor, se te atreveres a derramar meu sangue, porque minha alma
será recolhida pelo Senhor, ao ser segada uma vida inocente no vestíbulo do santuário. Ao
romper da aurora, foi assassinado Zacarias, sem que os filhos de Israel se dessem conta
desse crime.
Os sacerdotes se reuniram à hora da saudação, mas Zacarias não saiu a seu encontro,
como de costume, para abençoá-los. Puseram-se a esperá-lo para saudá-lo na oração e para
glorificar o Altíssimo.
Ante sua demora, começaram a ter medo. Tomando ânimo, um deles entrou, viu ao lado
do altar sangue coagulado e ouviu uma voz que dizia:
— Zacarias foi morto e não se limpará o seu sangue até que chegue o vingador.
Ao ouvir a voz, encheu-se de temor e saiu para informar os sacerdotes que, tomando
coragem, entraram e testemunharam o ocorrido. Então, os frisos do templo rangeram e eles
rasgaram suas vestes de alto a baixo.
Não encontraram o corpo, somente a poça de sangue coagulado. Cheios de temor,
saíram para informar a todo o povo que Zacarias havia sido assassinado. A notícia correu
em todas as tribos de Israel, que o choraram e guardaram luto por três dias e três noites.
Concluído esse tempo, reuniram-se os sacerdotes para deliberar sobre quem iriam pôr
em seu lugar. Recaiu a sorte sobre Simeão, pois, pelo Espírito Santo, havia sido assegurado
de que não veria a morte até que lhe fosse dado contemplar o Messias Encarnado.
Eu, Tiago, escrevi esta história. Ao levantar-se um grande tumulto em Jerusalém, por
ocasião da morte de Herodes, retirei-me ao deserto até que cessasse o motim, glorificando
ao Senhor meu Deus, que me concedeu a graça e a sabedoria necessárias para compor esta
narração.
Que a graça esteja com todos aqueles que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, para
quem deve ser a glória por todos os séculos dos séculos.
Em princípio não vejo nada de Heresia! É apenas uma história que conta de modo ficcional o nascimento de Jesus Cristo!