Evangelhos Apócrifos

Proto Evangelho de Tiago

(Natividade de Maria)

 

Este livro, apesar de conhecido como o Evangelho de Tiago ou Proto-Evangelho de Tiago, tem sua autoria desconhecida. Publicado em fins do século XVI, não se sabe exatamente ainda qual a época em que foi escrito, mas os maiores estudiosos dos Livros Apócrifos afirmam que é anterior aos Quatro Evangelhos Canônicos, servindo, em muitos aspectos, como base para estes.

O Proto-Evangelho de Tiago conta a vida de Maria, seu nascimento de Ana e Joaquim, considerados estéreis, de como foi sua educação no Templo até a sua puberdade, como se deu a escolha de seu futuro esposo, José, velho, viúvo e pai de seis filhos: Judas, Josetos, Tiago, Simão, Lígia e Lídia. Continua, narrando a concepção e a virgindade, que se manteve após dar à luz o Salvador, numa caverna. Fala da estrela misteriosa e radiante, que guiou os magos até a caverna e da nuvem de luz que pairou sobre o local, na hora em que o Senhor Jesus nascia.

Narra, também, a participação da parteira que testemunhou a virgindade de Maria, após o nascimento do Senhor E cita o testemunho de uma parteira que constatou a virgindade de Maria após dar à luz.

Capítulo 1

1 SEGUNDO NARRAM as memórias das doze tribos de Israel, havia um homem muito rico, de nome Joaquim, que fazia suas oferendas em quantidade dobrada, dizendo: “O que sobra ofereço para todo o povoado, e o devido na expiação de meus pecados será para o Senhor a fim de ganhar-lhe as boas graças.”

2 Chegou a grande festa do Senhor, na qual os filhos de Israel devem oferecer seus donativos, e Ruben se pôs à frente de Joaquim dizendo-lhe: “Não te é lícito oferecer tuas dádivas, enquanto não tiveres gerado um rebento em Israel.”

3 Joaquim mortificou-se tanto que se dirigiu aos arquivos de Israel com intenção de consultar o censo genealógico e verificar se, porventura, teria sido ele o único que não havia tido posteridade em seu povoado. E, examinando os pergaminhos, constatou que todos os justos haviam gerado descendentes. Lembrou-se, por exemplo, de como ao patriarca Abraão lhe deu o Senhor, em seus derradeiros anos de vida, a Isaac por filho.

4 Joaquim ficou muito atormentado, e não procurou sua mulher e se retirou para o deserto. Ali armou sua tenda e jejuou por quarenta dias e quarenta noites, dizendo a si mesmo: “Não sairei daqui (para minha casa), nem sequer para comer ou beber, até que não me visite o Senhor meu Deus; que minhas preces me sirvam de comida e de bebida.”

Capítulo 2

1 E Ana, sua mulher, se lamentava e gemia dolorosamente dizendo: “Chorarei minha viuvez e minha esterilidade.”

2 Mas chegou a grande festa do Senhor e lhe disse Judite, sua criada: “Até quando vais humilhar tua alma? Já é chegada a festa maior e não te é lícito entristecer-te. Toma este lenço de cabeça que me foi dado pela dona da tecelagem, já que não posso cingir-me com ele por ser eu de condição servil e levar ele o selo real.”

3 E disse Ana: “Afasta-te de mim, pois que não fiz tal coisa e, além do mais, o Senhor já me humilhou em demasia para que eu o use; a não ser que algum malfeitor to haja dado, e tenhas vindo para fazer-me a mim também cúmplice do pecado.” Replicou Judite: “Que motivo tenho eu para maldizer-te, se o Senhor já te amaldiçoou não te dando fruto em Israel?”

4 E Ana, ainda que profundamente triste, despiu suas vestes de luto, cingiu-se com o toucado, vestiu suas roupas de bodas e desceu, na hora nona, ao jardim para passear. Ali viu um loureiro, assentou-se à sua sombra e orou ao Senhor, dizendo: “O Deus de nossos pais! Ouve-me e bendize-me da maneira que bendisseste o ventre de Sara, dando-lhe como filho Isaac.”

Capítulo 3

1 E, tendo elevado seus olhos aos céus, viu um ninho de passarinhos no loureiro e novamente lamentou-se dizendo: “Ai de mim! Por que nasci e em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser como terra maldita entre os filhos de Israel; estes me cumularam de injúrias e me escorraçaram do templo de Deus.

2 “Ai de mim! A quem me assemelho eu? Não às aves do céu, pois que elas são fecundas em tua presença, Senhor.

“Ai de mim! A quem me pareço eu? Não às bestas da terra, pois que até estes animais irracionais são prolíficos ante teus olhos, Senhor.

3 “Ai de mim! A quem me posso comparar? Nem sequer a estas águas, porque até elas são férteis diante de ti, Senhor.

“Ai de mim A quem me igualo eu? Nem sequer a esta terra, porque ela também é fecunda, dando seus frutos na ocasião própria, e te bendiz a ti, Senhor.”

Capítulo 4

1 E eis que se lhe apresentou um anjo de Deus, dizendo-lhe: “Ana, Ana, o Senhor escutou teus rogos: conceberás e darás à luz e de tua prole se falará em todo o mundo.” Ana respondeu: “Viva o Senhor meu Deus, que, se chegar a ter algum fruto de bênção, seja menino ou menina, leva-lo-ei como oferenda ao Senhor, e estará a seu serviço todos os dias de sua vida.”

2 Então, vieram dois mensageiros com este recado para ela: “Joaquim, teu marido, está de volta com seus rebanhos, pois que um anjo de Deus desceu até ele e lhe disse: ‘Joaquim, Joaquim, o Senhor escutou teus rogos; volta, pois, que Ana, tua mulher, vai conceber em seu ventre’.”

3 E, tendo saído Joaquim, mandou que seus pastores lhe trouxessem dez ovelhas sem mancha: “E estas, disse, serão para o Senhor”; e doze novilhas de leite: “E estas, disse, serão para os sacerdotes e para o sinédrio”; e, finalmente, cem cabritos para todo o povoado.

4 E, ao chegar Joaquim com seus rebanhos, estava Ana à porta e, ao vê-lo chegar, pôs-se a correr e atirou-se ao seu pescoço dizendo: “Agora vejo que Deus me bendisse copiosa-mente, pois, sendo viúva, deixo de sê-lo e, sendo estéril, vou conceber em meu ventre”. E Joaquim repousou naquele primeiro dia em sua casa.

Capítulo 5

1 No dia seguinte, ao ir oferecer suas dádivas ao Senhor, dizia para consigo mesmo: “Saberei se Deus me vai ser favorável se eu chegar a ver o éfode do sacerdote”. E, ao oferecer o sacrifício, observou o éfode do sacerdote, quando este se acercava do altar de Deus, e, não encontrando pecado algum em sua consciência, disse: Agora vejo que o Senhor houve por bem perdoar todos os meus pecados”. E desceu Joaquim justificado do templo e foi para casa.

2 E o tempo de Ana cumpriu-se, e no nono mês deu à luz. E perguntou à parteira: “A quem dei à luz?” E a parteira respondeu: “Uma menina”. Então Ana exclamou: “Minha alma foi enaltecida”. E reclinou a menina no berço. Ao fim do tempo marcado pela lei, Ana purificou-se, deu o peito à menina e lhe pôs o nome de Maria.

Capítulo 6

1 Dia a dia a menina se ia robustecendo. Ao chegar aos seis meses, sua mãe deixou-a só no chão, para ver se se sustentava de pé, e ela, depois de andar sete passos, voltou ao regaço de sua mãe. Esta levantou-a, dizendo: “Salve o Senhor! Não andarás mais por este solo, até que te leve ao templo do Senhor”. E lhe fez um oratório em sua casa e não consentiu que nenhuma coisa vulgar ou impura passasse por suas mãos. Chamou, além disso, umas donzelas hebréias, todas virgens, para que a entretivessem.

2 Quando a menina completou um ano, Joaquim deu um grande banquete, para o qual convidou os sacerdotes, os escribas, o sinédrio e todo o povo de Israel. E apresentou a menina aos sacerdotes, que a abençoaram com estas palavras: “ó Deus de nossos pais, bendiz esta menina e dá-lhe um nome glorioso e eterno por todas as gerações.” Ao que todo o povo respondeu: “Assim seja, assim seja. Amém.” Apresentou-a também Joaquim aos príncipes e aos sacerdotes, e estes a abençoaram assim: “ó Deus Altíssimo, põe teus olhos nesta menina e outorga-lhe uma bênção perfeita, dessas que excluem as ulteriores.”

3 Sua mãe levou-a ao oratório de sua casa e deu-lhe o peito. Compôs, então, um hino ao Senhor Deus, dizendo: “Entoa-rei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitaste, afastaste de mim o opróbrio de meus inimigos e me deste um fruto santo, que é único e múltiplo a seus olhos. Quem dará aos filhos de Ruben a notícia de que Ana está amamentando? Ouvi, ouvi, ó Doze Tribos de Israel: ‘Ana está amamentando’.”

4 E tendo deixado a menina para que repousasse na câmara onde havia o oratório, saiu e pôs-se a servir os comensais. Estes, uma vez terminada a ceia, saíram regozijando-se e louvando a Deus de Israel.

Capítulo 7

1 Entretanto, os meses iam-se passando para a menina. E, ao fazer ela dois anos, disse Joaquim a Ana: “Levemo-la ao templo do Senhor para cumprir a promessa que fizemos, para que o Senhor não a reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos.” Ana respondeu: “Esperemos, todavia, até que complete três anos, para que a menina não tenha saudades de nós.” E Joaquim respondeu: “Esperaremos.”

2 Ao chegar aos três anos, disse Joaquim: “Chama as donzelas hebréias que não têm mancha, e que tomem, duas a duas, uma candeia acesa (para que a acompanhem) para que a menina não olhe para trás e seu coração seja cativado por alguma coisa fora do templo de Deus”. E assim fizeram enquanto iam subindo ao templo do Senhor. E lá recebeu-a o sacerdote, o qual, depois de tê-la beijado, abençoou-a e exclamou: “O Senhor engrandeceu teu nome diante de todas as gerações, pois que no final dos tempos manifestará em ti sua redenção aos filhos de Israel”.

3 Então fê-la sentar-se no terceiro degrau do altar. O Senhor derramou graças sobre amenina, que dançou, cativando toda a casa de Israel.

Capítulo 8

1 Saíram, então, seus pais, cheios de admiração, louvando ao Senhor Deus porque a menina não havia olhado para trás. E Maria permaneceu no templo como uma pombinha, recebendo alimento pelas mãos de um anjo.

2 Mas, ao completar doze anos, os sacerdotes reuniram-se para deliberar, dizendo: “Eis que Maria cumpriu doze anos no templo do Senhor. Que faremos para que ela não chegue a manchar ao santuário?” E disseram ao sumo sacerdote: “Tu que tens o altar a teu cargo, entra e ora por ela, e o que o Senhor te disser, isso será o que haveremos de fazer.”

3 E o sumo sacerdote, cingindo-se com o manto das doze sinetas, entrou no “santo dos santos” e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor apareceu, dizendo-lhe: “Zacarias, Zacarias, sai e reúne a todos os viúvos do povoado. Que cada um venha com um bastão, e o daquele em que o Senhor fizer um sinal singular, deste será ela esposa.” Saíram os arautos por toda a região da Judéia e, ao soar a trombeta do Senhor, todos acudiram.

Capítulo 9

1 José, deixando de lado sua acha, uniu-se a eles e, uma vez que se juntaram todos, tomaram cada qual seu bastão e puseram-se a caminho à procura do sumo sacerdote. Este tomou todos os bastões, entrou no templo e se pôs a orar. Terminadas as suas preces tomou de novo o… bastões e os entregou, mas em nenhum deles apareceu sinal algum. Porém, ao pegar José o último, eis que uma pomba saiu dele e se pôs a voar sobre sua cabeça. Então o sacerdote disse: “A ti coube a sorte de receber sob tua custódia a Virgem do Senhor.”

2 José replicou: “Tenho filhos e sou velho, enquanto que ela é uma menina; não gosta-ria de ser objeto de zombarias por parte dos filhos do Israel.” Então tornou o sacerdote: “Teme ao Senhor teu Deus e tem presente o que fez Ele com Datan, Abiron e Corê; de como abriu-se a terra e foram sepultados por sua rebelião. E teme agora tu também, José, para que não aconteça o mesmo à tua casa.”

3 E ele, cheio de temor, recebeu-a sob sua proteção. Depois, disse-lhe: “Tomei-te do templo; deixo-te agora em minha casa e vou continuar minhas construções. Logo volta-rei. O Senhor te guardará.”

Capítulo 10

1 Os sacerdotes, então, reuniram-se e concordaram em fazer um véu para o templo do Senhor. E o sacerdote disse: “Chama algumas donzelas sem mancha da tribo de Davi.” Os ministros se foram, e, depois de terem procurado, encontraram sete virgens. Então o sacerdote lembrou-se de Maria (aquela jovenzinha que, sendo de estirpe davídica, se conservava imaculada aos olhos de Deus) e os emissários a foram buscar.

2 Depois de as terem introduzido no templo, disse o sacerdote: “Vejamos qual há de bordar o ouro, o amianto, o linho, a seda, o zircão, o escarlate e a verdadeira púrpura.” E o escarlate e a verdadeira púrpura couberam a Maria que, tomando-as, se foi para casa. Naquela época, Zacarias ficou mudo, sendo substituído por Samuel até quando pôde falar novamente. Maria tomou em suas mãos o escarlate e se pôs a tecê-lo.

Capítulo 11

1 Certo dia pegou Maria um cântaro e foi enchê-lo de água. Mas eis que ouviu uma voz que lhe dizia: “Deus te salve, cheia de graça, o Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres.” E ela olhou à sua volta, à direita, à esquerda, para ver de onde vinha aquela voz. E, tremendo, voltou para casa, deixou a ânfora, pegou a púrpura, sentou-se no divã e se pôs a tecê-la.

2 Mas logo um anjo do Senhor apresentou-se diante dela dizendo: “Não temas, Maria, pois alcançaste graça ante o Senhor onipotente e vais conceber por sua palavra.” Mas ela, ao ouvi-lo, ficou perplexa e disse consigo mesma: “Deverei eu conceber por virtude de Deus vivo e haverei de dar à luz come as demais mulheres?”

3 Ao que lhe respondeu o anjo: “Não será assim, Maria, pois que a virtude do Senhor te cobrirá com sua sombra; depois, o fruto santo que deverá nascer de ti será chamado Filho do Altíssimo. Chamar-lhe-ás Jesus, pois Ele salvará seu povo de suas iniqüidades.” Então, disse Maria: “Eis aqui a escrava do Senhor em sua presença; que isto aconteça a mim conforme sua palavra”.

Capítulo 12

1 E, concluído seu trabalho com a púrpura e o escarlate, levou-o ao sacerdote. Este a abençoou dizendo: “Maria, o Senhor enalteceu teu nome e serás bendita entre todas as gerações da terra”.

2 Cheia de alegria, Maria foi à casa de sua parenta Isabel. Chamou-a da porta e ao ouvi-la Isabel largou o escarlate, correu para a porta, abriu-a e, ao ver Maria, louvou-a dizendo: “Que fiz eu para que a mãe do meu Senhor venha a minha casa? Pois saiba que o fruto que carrego em meu ventre se pôs a pular dentro de mim, como que para bendizer-te.” Mas Maria se havia esquecido dos mistérios que o anjo Gabriel comunicara, e elevou os olhos aos céus e disse: “Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?”

3 E passou três meses em casa de Isabel. E dia a dia seu ventre aumentava e, cheia de temor, pôs-se a caminho de casa e escondia-se dos filhos de Israel. Quando sucederam essas coisas, ela contava dezesseis anos.

Capítulo 13

1 Ao chegar Maria ao sexto mês de gravidez, voltou José de suas construções e, ao entrar em casa, deu-se conta de que ela estava grávida. Então, feriu seu próprio rosto, jogou-se no chão sobre uma manta e chorou amargamente, dizendo: “Como é que me vou apresentar agora diante de meu Senhor? E que oração direi eu agora por esta donzela, pois que a recebi virgem do templo do Senhor e não a soube guardar? Será que a história de Adão se repetiu comigo? Assim como no instante em que ele estava glorificando a Deus veio a serpente e, ao encontrar Eva sozinha, a enganou, o mesmo me aconteceu.”

2 E, levantando-se, José chamou Maria e lhe disse: “Predileta como eras de Deus, como foste capaz de fazer isso? Acaso te esqueceste do Senhor teu Deus? Como pudeste vilipendiar tua alma, tu que te criaste no santo dos santos e recebeste ali-mento das mãos de um anjo?”

3 E ela chorou amargamente dizendo: “Sou pura e não conheço varão algum.” “De onde, pois, provém, replicou José, o que carregas no seio?” Ao que Maria respondeu: “Pelo Senhor, meu Deus, eu juro que não sei” como aconteceu.

Capítulo 14

1 José, então, encheu-se de temor e retirou-se da presença de Maria e pôs-se a pensar sobre o que faria com ela. Dizia consigo próprio: “Se escondo seu erro, contrario a lei do Senhor; se a denuncio ao povo de Israel, temo que o que aconteceu a ela se deva a uma intervenção dos anjos, e venha eu a entregar à morte uma inocente. Como deverei proceder, pois? Manda-la-ei embora às escondidas.” E nisto caiu a noite.

2 Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos dizendo-lhe: “Não temas por esta donzela, pois o que ela carrega em suas entranhas é o fruto do Espírito Santo. Dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, pois que ele há de salvar seu povo dos seus pecados.” E, ao despertar, José levantou-se e glorificou a Deus de Israel por haver-lhe concedido tal graça, e continuou guardando Maria.

Capítulo 15

1 Mas, por essa ocasião, veio à casa de José Anás, o escriba, que lhe disse: “Por que não compareceste à nossa reunião?” Respondeu-lhe José: “Estava cansado da caminhada e decidi repousar este primeiro dia.” Mas, ao voltar-se, Anás deu-se conta da gravidez de Maria.

2 Então, correu ao sacerdote dizendo-lhe: “Este José, por quem respondes, cometeu uma falta grave.” “Que queres dizer com isso?”, perguntou o sacerdote. Ao que respondeu Anás: “Pois violou aquela virgem que recebeu do templo de Deus, com fraude de seu casamento e sem manifestá-lo ao povo de Israel.” Disse o sacerdote: “E estás certo de que foi José que fez tal coisa?” Replicou Anás: “Envia uma comissão e te certificarás de que a donzela está realmente grávida”. Saíram os emissários e a encontraram tal qual havia dito Anás, e por isso a levaram juntamente com José ante o tribunal.

3 E o sacerdote iniciou dizendo: “Maria, como fizeste tal coisa? Que te levou a vilipendiar tua alma e esquecer-te do Senhor teu Deus? Tu que te criaste no santo dos santos, que recebias alimento das mãos de um anjo, que escutaste os hinos e que dançavas na presença de Deus? Como fizeste isso?” E ela se pôs a chorar amarga-mente dizendo: “Juro pelo Senhor meu Deus que estou pura em sua presença e que não conheci varão”.

4 Então, o sacerdote dirigiu-se a José dizendo-lhe: “Por que fizeste isso?” Replicou José: “Juro pelo Senhor meu Deus, que me encontro puro com relação a ela.” Acrescentou o sacerdote: “Não jures em falso, dize a verdade. Usaste fraudulentamente o matrimônio e não o deste a conhecer ao povo de Israel, e não abaixaste tua cabeça sob a mão poderosa de Deus, por quem sua descendência havia sido bendita.” José guardou silêncio.

Capítulo 16

1 “Devolve, pois, continuou o sacerdote, a virgem que recebeste do templo do Senhor.” José ficou com os olhos marejados de lágrimas. Mas acrescentou o sacerdote: “Farei com que bebais da água da prova do Senhor e ela vos mostrará, diante de vossos próprios olhos, vossos pecados”.

2 E, tomando da água, fez José bebê-la, enviando-o em seguida à montanha; mas voltou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, também enviando-a à montanha; mas ela voltou sã e salva. E toda a cidade encheu-se de admiração ao ver que não havia pecado neles.

3 E replicou o sacerdote: “Posto que o Senhor não declarou vosso pecado, tampouco irei condenar-vos”. Então despediu-os. E, tomando Maria, José voltou para casa cheio de alegria e louvando a Deus de Israel.

Capítulo 17

1 E veio uma ordem do imperador Augusto para que se fizesse o censo de todos os habitantes de Belém da Judéia. E disse José: “A meus filhos posso recensear, mas que farei desta donzela? Como vou incluí-la no censo? Como minha esposa? Envergonho-me. Como minha filha? Mas já sabem todos os filhos de Israel que não é! Este é o dia do Senhor, que se faça sua vontade.”

2 E, selando sua asna, fez com que Maria se acomodasse sobre ela, enquanto um de seus filhos ia à frente puxando o animal pelo cabresto. José os acompanhava. Quando estavam a três milhas de distância (de Belém), José virou-se para Maria e viu que ela estava triste; e disse consigo mesmo: “Deve ser a gravidez que lhe causa incômodo”. Mas, ao voltar-se novamente, encontrou-a sorrindo, e lhe disse: “Maria, que acontece, pois que algumas vezes te vejo sorridente e outras triste?” E ela lhe disse: “E que se apresentam dois povos diante de meus olhos; um que chora e se aflige e outro que se alegra e se regozija.”

3 E, ao chegar à metade do caminho, disse Maria a José: “Desça-me, porque o fruto de minhas entranhas luta por vir à luz.” E ele ajudou-a a apear da asna, dizendo-lhe: “Aonde poderia eu levar-te para resguardar teu pudor, já que estamos em campo aberto?”

Capítulo 18

1 E, encontrando uma caverna, levou-a para dentro e, havendo deixado os seus filhos com ela, foi buscar uma parteira hebréia na região de Belém.

2 E eu, José, encontrei-me andando, mas não podia avançar; ao levantar meus olhos para o espaço, pareceu-me ver como se o ar estivesse estremecido de assombro; e quando fixei a vista no firmamento, o encontrei estático e os pássaros do céu imóveis; ao dirigir meu olhar à terra, vi um recipiente no solo e uns trabalhadores sentados em atitude de comer, com suas mãos na vasilha. Mas os que pareciam comer, na realidade não mastigavam; e os que estavam em atitude de pegar a comida, tampouco a tiravam do prato; e, finalmente, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam, ao contrário, tinham seus rostos voltados para cima. Também havia umas ovelhas que estavam sendo tangidas, mas não davam um passo (ao contrário, estavam paradas), e o pastor levantou sua destra para bater-lhes (com o cajado), mas parou sua mão no ar. E, ao dirigir meu olhar à corrente do rio, vi como uns cabritinhos punham nela seus focinhos, mas não bebiam. Em uma palavra, todas as coisas estavam afastadas, por uns instantes, de seu curso normal.

Capítulo 19

1 E então uma mulher que descia da montanha me disse: “Aonde vais?” Ao que respondi: “Ando procurando uma parteira hebréia.” Ela replicou: “Mas és de Israel?” E respondi: “Sim.” “E quem é, acrescentou, a que está dando à luz na caverna?” “E minha esposa”, lhe disse eu. Ao que ela replicou: “Então, não é tua mulher?” E eu lhe respondi: “E Maria, a que se criou no templo do Senhor, e ainda que me tivesse sido dada por mulher, não o é, pois que concebeu por virtude do Espírito Santo.” E interrogou-lhe (1) a parteira: “Isto é verdade?” José respondeu: “Vem e verás.” Então a parteira se pôs a caminho junto com ele.

2 Ao chegar à gruta, pararam, e eis que esta estava sombreada por uma nuvem luminosa. E exclamou a parteira: “Minh’alma foi engrandecida,porque meus olhos viram coisas incríveis, pois que nasceu a salvação para Israel.” De repente, a nuvem começou a sair da gruta, e dentro brilhou uma luz tão grande que nossos olhos não podiam resistir. Esta, por um momento, começou a diminuir tanto que deu para ver o menino que estava tomando o peito de sua mãe, Maria. A parteira então deu um grito dizendo: “Grande é para mim o dia de hoje, já que pude ver com meus próprios olhos um novo milagre”.

3 E, ao sair a parteira da gruta, veio a seu encontro Salomé. “Salomé, Salomé, exclamou, tenho de te contar uma maravilha nunca vista, e é que uma virgem deu à luz; coisa que, como sabes, não permite a natureza humana.” Mas Salomé replicou: “Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei em tal coisa, se não me for dado tocar com os dedos e examinar sua natureza”.

Capítulo 20

1 E, havendo entrado a parteira, disse a Maria: “Prepara-te, porque há entre nós uma grande querela em relação a ti.” Salomé, pois, introduziu seu dedo em sua natureza, mas, de repente, deu um grito dizendo: “Ai de mim, minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa! Por tentar ao Deus vivo desprende-se de meu corpo minha mão carbonizada.”

2 E dobrou os joelhos diante do Senhor, dizendo: “Oh Deus de nossos pais! Lembra-te de mim porque sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó, não faças de mim um exemplo para os filhos de Israel; devolve-me curada, porém, aos pobres, pois que tu sabes, Senhor, que em teu nome exercia minhas curas, recebendo de ti meu salário”.

3 E apareceu um anjo do céu, dizendo-lhe: “Salomé, Salomé, Deus escutou-te. Aproxima tua mão do menino, toma-o, e haverá para ti alegria e prazer”.

4 E acercou-se Salomé e o tomou, dizendo: “Adorar-te-ei porque nasceste para ser o grande Rei de Israel”. Então, de repente, sentiu-se curada e saiu em paz da gruta. Nisso ouviu uma voz que dizia: “Salomé, Salomé, não contes as maravilhas que viste até estar o menino em Jerusalém”.

Capítulo 21

1 E José dispôs-se a partir para a Judéia. Por essa ocasião sobreveio um grande tumulto em Belém, pois vieram uns magos dizendo: “Aonde está o recém-nascido Rei dos Judeus, pois vimos sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo?”

2 Herodes, ao ouvir isto, perturbou-se, enviou seus emissários aos magos e convocou os príncipes e os sacerdotes fazendo-lhes esta pergunta: “Que está escrito em relação ao Messias? Aonde ele vai nascer?” E eles responderam: “Em Belém da Judéia, segundo rezam as escrituras”. Com isto, despachou-os e interrogou os magos com estas palavras: “Qual o sinal que vistes em relação ao nascimento desse rei?” Responderam-lhe os magos: “Vimos um astro muito grande que brilhava entre as demais estrelas e as eclipsava, fazendo-as desaparecer. Nisto soubemos que a Israel havia nascido um rei, e viemos com a intenção de adorá-lo.” Então replicou Herodes: “Ide e buscai-o para que também possa eu ir adorá-lo.”

3 Naquele instante aquela estrela, que haviam visto no Oriente, voltou novamente a guiá-los até que chegaram à caverna e pousou sobre a entrada dela. Vieram, então, os magos a ter com o Menino e sua Mãe, Maria, e tiraram oferendas de seus cofres: ouro, incenso e mirra.

4 Mas, avisados por um anjo para que não entrassem na Judéia, voltaram a suas terras por outro caminho.

Capítulo 22

1 Ao dar-se conta Herodes de que havia sido enganado pelos magos, encolerizou-se e enviou seus sicários, dando-lhes a missão de assassinar a todos os meninos de menos de dois anos.

2 E quando chegou até Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de temor e, envolvendo seu filho em fraldas, colocou-o numa manje-doura.

3 E quando Isabel inteirou-se de que também buscavam a seu filho João, pegou-o e levou-o a uma montanha e pôs-se a ver onde o haveria de esconder; mas não havia um lugar bom para isso. E, entre soluços, exclamou em voz alta: “O Montanha de Deus, recebe em teu seio a mãe com seu filho” (pois que não podia subir mais alto).

4 E nesse instante abriu a montanha suas entranhas para recebê-los. Acompanhou-os uma grande luz, pois estava com eles um anjo de Deus para guardá-los.

Capítulo 23

1 Mas Herodes prosseguia na busca de João, e enviou seus emissários a Zacarias para que lhe dissessem: “Aonde escondeste teu filho?” Mas ele respondeu desta maneira: “Eu me ocupo do serviço de Deus e me encontro sempre no templo. Não sei onde está meu filho.”

2 Os emissários informaram a Herodes tudo o que se passara, e ele encolerizou-se muito, dizendo consigo mesmo: “Deve ser seu filho que vai reinar em Israel”. E enviou um outro recado dizendo-lhe: “Diga-nos a verdade sobre onde está teu filho, porque do contrário bem sabes que teu sangue está sob minhas mãos”.

3 Mas Zacarias respondeu: “Serei mártir do Senhor” te atreveres a derramar meu sangue, porque minh’alma será recolhida pelo Senhor ao ser segada uma vida inocente no vestíbulo do santuário.” E ao romper da aurora foi assassinado Zacarias, sem que os filhos de Israel se dessem conta desse crime.

Capítulo 24

1 E os sacerdotes se reuniram à hora da saudação; mas Zacarias não saiu a seu encontro, como de costume, para abençoá-los. E se puseram a esperá-lo para o saudar na oração e para glorificar o Altíssimo.

2 Ante sua demora, começaram a ter medo; e, tomando ânimo, um deles entrou e viu ao lado do altar sangue coagulado e ouviu uma voz que dizia: “Zacarias foi morto e não se limpará o seu sangue até que chegue o vingador”. E, ao ouvir a voz, encheu-se de temor e saiu para informar os sacerdotes.

3 Estes, tomando coragem, entraram e testemunharam o ocorrido. Então, os frisos do templo rangeram e eles rasgaram suas vestes de alto a baixo. Mas não encontraram seu corpo, somente uma poça de sangue coagulado; e, cheios de temor, saíram para informar a todo o povo que Zacarias havia sido assassinado. E correu a notícia em todas as tribos de Israel, que o choraram e guardaram luto por três dias e três noites.

4 E, concluído esse tempo, reuniram-se os sacerdotes para deliberar sobre quem iriam pôr em seu lugar. Recaiu a sorte sobre Simeão, pois, pelo Espírito Santo, havia sido assegurado de que não veria a morte até que lhe fosse dado contemplar o Messias Encarnado.

Capítulo 25

1 E eu, Tiago, que escrevi esta história, ao levantar-se um grande tumulto em Jerusalém por ocasião da morte de Herodes, retirei-me ao deserto até que cessasse o motim, glorificando ao Senhor meu Deus,que me concedeu a graça e a sabedoria necessárias para compor esta narração.

2 Que a graça esteja com todos aqueles que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, para quem deve ser a glória por todos os séculos dos séculos. Amém. Fim

 

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