1572
O massacre do Dia de São Bartolomeu
Havia esperança de que a paz fosse alcançada em Paris, em 18 de agosto de 1572. O casamento real iria unir duas facções rivais na França. Henrique de Navarra vinha de uma família protestante íntegra. Ele estava se casando com Margarida de Valois, irmã do jovem rei Carlos IX e filha de Catarina de Mediei, católica. Os nobres protestantes e católicos que estavam lu tando uns contra os outros havia dez anos apresentaram-se para esse acontecimento glorioso.
O calvinismo chegou à França em 1555. A igreja protestante francesa foi oficialmente estabelecida em 1559, contando com 72 congregações no sínodo de Paris. Missionários de Estrasburgo e outras cidades calvinistas anuíam para lá. Em um curto espaço de tempo, havia 2 mil igrejas e cerca de 400 mil freqüentadores. Os protestantes franceses ficaram conhecidos como huguenotes.
A luta se iniciou em 1562, com um massacre dos huguenotes em Vassy. Os protestantes desenvolveram sua liderança militar e se defenderam em três “guerras de religião” distintas. A movimentação entre essas duas facções tinha toda a complexidade de um jogo de xadrez. A rainha, Catarina de Mediei, buscara consolidar seu poder sobre o trono de seu filho, levando, por meio de artimanhas, seus rivais a se posicionarem uns contra os outros.
Uma mistura de rivalidades nos aspectos nacional, dinástico, religioso e político alimentou ainda mais as diferenças. De que maneira a França poderia se relacionar com nações como a Espanha, os Países Baixos e a Inglaterra? No aspecto dinástico, a rainha se aliara aos de Guisa, para opor-se aos de Bourbon. Política e religião pareciam se fundir, pois os nobres huguenotes apresentavam tendência de ser mais republicanos, antimonarquistas e antipapistas.
Ao mesmo tempo em que Catarina elaborava esse intricado casamento, também planejava o assassinato de Gaspar de Coligny, o líder hu-guenote. Coligny era um herói de guerra francês, muito popular, que se tornara protestante. Recentemente, alcançara a atenção do rei adolescente. Particularmente, ele propusera que a França apoiasse os Países Baixos na luta contra a Espanha, estratégia à qual Catarina se opunha grandemente. Em 22 de agosto, a tentativa de assassinato fracassou totalmente. Um plano desonesto como aquele, às vésperas de um casamento, ameaçava causar um terrível embaraço à família real. Diz-se que o rei fez o seguinte comentário: “Já que você vai assassinar Coligny, por que não mata todos os huguenotes da França, de modo que não fique um sequer para me odiar?”.
Foi quase isso o que aconteceu. Em pânico, Catarina ordenou o massacre dos líderes protestantes em Paris. O alerta soou às quatro da manhã do dia 24 de agosto de 1572, o dia de São Bartolomeu. Coligny foi assassinado em seu quarto. Claude Marcel, um oficial da cidade, reuniu grupos de pessoas (incluindo alguns assassinos de aluguel extrangeiros) para percorrer as ruas da cidade caçando outros líderes huguenotes. Não foi difícil encontrá-los. De modo geral, os huguenotes eram prósperos comerciantes da cidade e donos de lojas. De uma hora para outra, o ressentimento das classes mais humildes foi atiçado contra esses cidadãos de classe média. Um horrendo massacre teve início em nome da pureza religiosa.
Corpos foram empilhados às centenas. Muitos foram jogados no rio Sena. A barbaridade era aterrorizante: um livreiro foi queimado, com seus sete filhos, em uma fogueira feita com seus livros. Nem mesmo os bebês foram poupados desse banho de sangue.
A loucura se espalhou pelas províncias nos dias e nas semanas que se seguiram. Catarina tentou diminuir a violência em Paris fazendo com que Carlos assinasse uma declaração dizendo que o assassinato de Coligny e dos outros huguenotes não era um golpe contra a fé protestante, mas simplesmente o abafamento de uma conspiração. Isso pode ter acalmado os parisienses já fartos de sangue, mas, nos outros lugares da França, o terror apenas começava. A despeito das ordens reais aos governadores das províncias, aprovando a “proteção” para os huguenotes, as multidões continuavam ensandecidas.
Em Lião, por exemplo, os huguenotes foram reunidos em um mosteiro, para sua “proteção”. Quando o lugar ficou lotado, eles foram transferidos para uma prisão. A multidão católica, porém, conseguiu invadir a prisão e terminou por matar todos eles. Em todos os lugares, os huguenotes estavam sendo estorquidos e eram forçados a pagar enormes resgates por sua vida, mas, com freqüência, eram assassinados de qualquer maneira.
Estima-se que a quantidade de mortes chegou a 100 mil, embora o número mais provável esteja entre 30 e 40 mil. Mesmo assim, o massacre não extinguiu a chama huguenote na França. Outras cinco guerras civis foram travadas entre os protestantes franceses e os católicos nos anos que se seguiram.
Pouco depois da última dessas guerras, em 1589, Henrique de Navarra — o noivo protestante do casamento — tornou-se rei. Anteriormente, ele já abdicara de suas convicções protestantes por conveniência política, e fez isso novamente quando se tornou rei. Em 1598, tentou aplacar os huguenotes com o Edito de Nantes, concedendo razoável liberdade religiosa, pelo menos nos redutos huguenotes. Fsso, no entanto, também limitou as incursões protestantes nos territórios católicos.
Os huguenotes tiveram um breve período de prosperidade, mas o cardeal Richelieu rescindiu alguns de seus privilégios políticos em 1629, e Luís xiv oficialmente revogou o Edito de Nantes em 1685. Somente um século mais tarde, o controle dos católicos sobre a França foi novamente desafiado.