Tertuliano começa a escrever livros cristãos

“O sangue dos mártires é a semente da igreja.”

“É certo por ser impossível.” “O que Atenas e Jerusalém têm em comum?”

Frases mordazes como essas eram típicas das obras de Quinto Septímio Florente Tertuliano — ou simplesmente Tertuliano. Nativo de Cartago, foi criado em um lar de cultura paga e educado nos clássicos da literatura, na arte de discursar e em Direito. Por volta do ano 196, quando voltou seu poderoso intelecto para os tópicos cristãos, Tertuliano mudou o caráter do pensamento e da literatura da igreja ocidental.

Até esse ponto, a maioria dos escritores cristãos usava o grego — uma língua flexível e sutil, perfeita para filosofar e para discutir ninharias. Os cristãos de fala grega geralmente aplicavam a propensão filosófica à sua fé.

Embora Tertuliano, um africano, soubesse grego, preferia escrever em latim. Suas obras refletem a inclinação romana para a praticidade e para enfatizar a moral. Esse influente advogado atraiu muitos outros escritores para sua língua favorita.

Enquanto os cristãos gregos discutiam a divindade de Cristo e sua relação com o Pai, Tertuliano buscava unificar a fé e esclarecer a posição ortodoxa. Em função disso, criou uma fórmula bastante útil que é usada ainda hoje: Deus é uma única substância, consistindo em três pessoas.

Ao introduzir a fórmula o que se tornou a doutrina da Trindade, Tertuliano extraiu sua terminologia não dos filósofos, mas dos tribunais romanos. A palavra latina substantia não significava “material”, mas carregava a idéia de “direito à propriedade”. A substantia de Deus era o seu “torrão”, por assim dizer. A palavra persona não significava “pessoa”, do modo como usamos a palavra. Ela se referia a uma das partes na ação legal. Conforme esse uso, o termo permite que seja concebível que três personae pudessem compartilhar a mesma substantia. Três pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) compartilham uma substância (a soberania divina).

Embora Tertuliano tivesse perguntado “o que Atenas [a filosofia] e Jerusalém [a igreja] têm em comum?”, a filosofia estoica, bastante popular em sua época, causou grande influência na vida de Tertuliano. Alguns dizem que a idéia do pecado original passou do estoicismo para Tertuliano e depois para a igreja ocidental. Tertuliano parece ter pensado que, de alguma maneira, a alma era material: assim como o corpo é formado pela concepção, o mesmo acontece com a alma. O pecado de Adão é passado adiante como um traço genético.

A igreja ocidental passou a defender essa idéia, mas isso não aconteceu com a igreja do oriental (que assumiu visão mais otimista da natureza humana).

Por volta do ano 206, Tertuliano deixou a igreja para se juntar aos montañistas, grupo de “puristas” que reagiu contra o que consideravam uma frouxidão moral entre os cristãos. Eles esperavam que a Segunda Vinda acontecesse logo e passaram a ressaltar a liderança imediata do Espírito Santo, e não a do clero ordenado.

Embora Tertuliano tivesse começado a enfatizar a idéia da sucessão apostólica — a passagem do poder e da autoridade apostólica aos bispos —, ficou perturbado pela afirmação dos bispos de que tinham poder para perdoar pecados. Ele acreditava que isso levaria à frouxidão moral, assim como afirmou que isso se tratava de grande presunção por parte dos bispos. Além do mais, pensava, não seriam todos os crentes sacerdotes? Seria a igreja formada por santos que dirigiam a si mesmos ou uma turba de santos e pecadores administrados por uma “classe” profissional, o clero?

Tertuliano lutava contra forças poderosas. Por mais de 1 200 anos, o clero teria um lugar especial. Somente depois de Martinho Lutero ter desafiado a igreja é que “o sacerdócio de todos os crentes” foi defendido outra vez.

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