1966-1976

A igreja chinesa cresce apesar da Revolução Cultural

Cerca de mil pessoas lotavam a igreja, uma pequena multidão composta, em sua maioria, por idosos, embora houvesse alguns casais e, naturalmente, adolescentes na galeria. Alguns vitrais góticos, maravilhosos, tinham sido destruídos por pedras, mas ninguém parecia se importar. Eles cantavam hinos, acompanhados por um velho piano. Um ministro metodista deu as boas-vindas aos adoradores, um presbiteriano leu as Escrituras e um batista pregou.

O dia era 2 de setembro de 1979. O lugar era a Igreja Mo En, em Xangai (a antiga Igreja Metodista Moo-re). Em treze anos, esse foi o primeiro culto público em chinês aberto ao povo chinês.

A Revolução Cultural, que começara em 1966, foi responsável pelo fechamento das igrejas e pela perseguição dos cristãos. Qualquer elemento estrangeiro era rechaçado, e o cristianismo, na condição de produto das missoes estrangeiras, era odiado de modo especial. A igreja teve de se reunir às escondidas por mais de uma década. Quando ressurgiu, surpreendentemente, estava mais forte do que antes.

O cristianismo fez sua primeira incursão na China em 635 d.C. com os cristãos nestorianos, mas eles não conseguiram estabelecer raízes entre o povo. A obra dos missionários fran-ciscanos nos séculos xm e xiv e a dos jesuítas nos séculos xvi e xvn também não produziu resultados duradouros ou abrangentes. A China era uma civilização fechada, resistente às idéias estrangeiras.

O comércio forçou a China a se abrir, e os missionários protestantes do século xix vieram com os mercadores. Hudson Taylor fez o máximo para romper os padrões coloniais, que haviam se amai gamado às atividades missionárias, quando adotou roupas e costumes chineses, assim como quando se aventurou em áreas de maior necessidade. Porém, o século xix foi um período difícil para a China. A dinastia Manchu resistiu a várias rebeliões, e o restante do mundo, em especial a Grã-Bretanha, tentava introduzir aquele país sossegado nos tempos modernos, embora a China não quisesse fazer isso. Como resultado, os estrangeiros infligiram grandes humilhações aos chineses.

As coisas mudaram rapidamente no século XX. Sun Yat-Sen liderou uma rebelião bem-sucedida e formou a República, embora ela fosse dominada pelos senhores da guerra regionais. Chiang Kai-Shek uniu o país nas décadas de 1920 e 1930, mas, em 1949, foi destituído por Mao Tse-tung. Mao estabeleceu um governo comunista que era oficialmente ateu. As igrejas foram toleradas e controladas. Mao determinou que os estrangeiros não humilhariam a China novamente, de modo que os comunistas forçaram as igrejas a tomar uma posição altamente xenófoba (o Manifesto Cristão de 1950), e, em conseqüência disso, os missionários estrangeiros foram expulsos.

O Movimento Reformista das Três Autonomias (posteriormente chamado Movimento Patriótico das Três Autonomias) buscava alinhar as igrejas aos objetivos comunistas — autonomia quanto ao governo, quanto ao sustento e quanto à propagação. Mesmo assim, a igreja sofreu bastante pressão. A remoção dos missionários, todavia, a enfraqueceu, contudo, também forçou a igreja chinesa a arranjar-se por conta própria, tarefa que desempenhou com maestria.

As coisas pioraram em 1966. Mao, o revolucionário, já idoso, pode ter sentido que sua revolução lhe escapava por entre os dedos. Seu grande programa, o do Grande Salto Adiante (1958-1960) falhara, e os modernistas de seu partido se inquietavam. Ele lançou uma revolução cultural brutal, em que promoveu histeria coletiva, especialmente entre jovens, contra qualquer vestígio de influência estrangeira. Nem mesmo os líderes comunistas estavam isentos de denúncia e de prisão. Houve grandes rebeliões. Atividades artísticas e pesquisas acadêmicas foram severamente reduzidas. Naturalmente, as atividades eclesiásticas também foram restringidas. Todos os lugares de adoração foram fechados, e as reuniões cristãs eram proibidas. O próprio Mao foi, praticamente, dei-ficado. O pequeno livro vermelho com os dizeres de Mao era lido e memorizado, enquanto Bíblias eram queimadas.

Embora as rebeliões tenham esmorecido logo, as políticas permaneceram em ação até 1976. Tanto Mao quanto seu braço direito, Zhou Enlai, morreram naquele ano. Deng Xiao-ping, um moderado que fora deixado de lado, retornou ao poder e começou a introduzir modernizações. O mais surpreendente é que o “grupo dos quatro”, os líderes da Revolução Cultural, foi preso e condenado.

A China ainda se opunha ao cristianismo, mas a histeria diminuíra. Em 1979, foi permitido que as igrejas fossem abertas novamente. (Na verdade, duas igrejas em Pequim foram abertas em 1972, a pedido de diplomatas cristãos da África e da Indonésia, mas elas eram freqüentadas basicamente por estrangeiros.) Em 1979, o Movimento Patriótico das Três Autonomias também foi reaberto, e o orador foi o notável bispo K. H. Ting, que pedia a unificação de todas as igrejas protestantes. O governo expressou tolerância oficial às igrejas que se uniram a esse movimento, mas muitas igrejas menores temiam o controle governamental.

Contudo, à medida que as tensões diminuíam, muitos cristãos começaram a falar sobre suas provações. Quando as igrejas fecharam, eles tiveram de se encontrar em grupos pequenos, em casas. Em vez de desencorajar o crescimento, isso ajudou a fomentá-lo. As famílias cristãs encontraram força nesse tipo de comunhão e influenciaram quem estava ao redor delas. Não havia uma organização nacional, mas uma igreja que se reunia em uma casa poderia se encontrar ocasionalmente com outra igreja vizinha. Professores, incluindo muitas mulheres, viajavam discretamente de uma reunião para outra. Havia perseguição e prisão, mas houve também momentos em que os oficiais locais faziam vista grossa às reuniões de cristãos, pois sabiam que os cristãos trabalhavam duro e eram cidadãos honrados.

Um movimento eclesiástico nos lares igual a esse só existiu no século iv. As circunstâncias — opressão governamental — eram similares, assim como os resultados também foram semelhantes. Os números são surpreendentes: um condado tinha 4 mil cristãos antes de o comunismo entrar em  vigor; hoje tem 90 mil. Em uma cidade considerada bem importante, apenas 1% das pessoas eram cristãs em 1949, mas hoje esse número chega a 10%. Uma vila tinha 10 crentes em 1945 e atualmente tem 250.

O que provocou esse crescimento? Os especialistas estão estudando esse assunto. A simplicidade, dizem eles. A dificuldade fez surgir a pureza da fé, um espírito de cuidado, uma liderança leiga forte, devoção na oração e confiança no senhorio de Cristo. Por mais odiosas que possam ter sido as medidas da Revolução Cultural, elas resultaram em uma fé cristã destituída dos vestígios da cultura ocidental. Os chineses desenvolveram uma igreja verdadeiramente autóctone.

Ninguém sabe ao certo o número de cristãos na China. As estimativas variam grandemente. Todos concordam, porém, em que a multiplicação dos cristãos sob o governo comunista foi surpreendente. Isso pode verdadeiramente representar uma das expansões mais dramáticas da fé na história da igreja.

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