398 João Crisóstomo se torna bispo de

398

João Crisóstomo se torna bispo de

Constantinopla

A primeira vez que a atenção do público se voltou para João Crisóstomo foi devido a uma rebelião em protesto pelos novos impostos. Ele era pastor em Antioquia, em 387, quando o imperador Teodósio impôs essa nova taxa. O povo de Antioquia ficou enraivecido. Em protesto, se revoltaram, atacando oficiais do império e mutilando estátuas de Teodósio e de sua família. A ordem foi logo restaurada e as pessoas esperavam ser punidas.

Flaviano, bispo de Antioquia, correu para Constantinopla, a capital do império, pedindo clemência ao imperador. Teodósio era conhecido por enviar tropas para massacrar os cidadãos que lhe causavam dificuldades. Enquanto o bispo e uma legião de monges pleiteavam junto ao imperador, João tentava acalmar as multidões. Em uma série de vinte sermões (Homilías sobre os ícones), ele inspirou, admoestou e desafiou as multidões. Essa foi uma série de sermões proféticos da melhor espécie. O bispo retornou com notícias de anistia e João insistia com as pessoas para que as atitudes delas mudassem para melhor.

Essa não seria a última vez que João enfrentaria uma situação política séria. Ele fez aquilo com coragem, fidelidade e, talvez, com certa dose de arrogância.

Ε possível que ele tivesse aprendido isso com sua mãe, Antusa. Seu marido era oficial militar e morreu pouco depois do nascimento de João. Ela estava com apenas vinte anos e era muito bonita, mas rejeitou seus muitos pretendentes com o objetivo de dar a melhor educação possível a João e à irmã dele. Antusa vinha de uma família abastada e foi capaz de dar a João excelente educação, incluindo estudos de retórica com um famoso professor pagão chamado Libânio. João também estudou Direito, mas foi atraído cada vez mais pela ascese. João ingressou em um mosteiro pouco depois da morte de sua mãe.

Em 381, retornou à sua cidade natal, Antioquia, e foi ordenado diácono. O bispo percebeu suas habilidades na comunicação e fez dele pastor e pregador principal de uma das assembléias de Antioquia. Foi nessa função que ele enfrentou a revolta dos impostos. Durante os anos que se seguiram, ele continuou a ganhar respeito devido à sua habilidade na pregação. Por causa disso, recebeu a alcunha de Crisóstomo, transliteração de uma expressão grega cujo significado é “boca de ouro”.

Seguindo a escola teológica de Antioquia, João adotou a abordagem mais literal da Bíblia (em oposição à interpretação mais alegórica da Escola Alexandrina). Ele também enfatizou a plena humanidade de Jesus em uma época em que as pessoas ignoravam esse aspecto. Crisóstomo pregou longas séries de mensagens sobre Gênesis, Mateus, João e Romanos, a maioria das quais ainda possuímos. Ele também escreveu comentários.

Em 397, o bispado de Constantinopla ficou vago. Era uma posição de grande prestígio, na capital do império. O imperador Arcádio escolheu João, o Boca de Ouro. Ε possível que, mais tarde, ele tenha se arrependido de sua decisão.

João era tão popular em Antioquia que teve de ser praticamente raptado para ser levado a Constantinopla. Acabou por ser consagrado bispo na capital em 398. O oficiante da consagração foi o bispo Teófilo de Alexandria.

Devido especialmente às questões políticas, Teófilo causou grandes problemas a João. Ele queria que João lhe fosse subserviente e, provavelmente, ficou enciumado pelo número de novos bispos que passou a seguir Crisóstomo, em função de sua habilidade na pregação. Teófilo também se opunha à teologia de Orígenes, na qual João se fundamentava. Com seu modo audacioso, João provavelmente não despendeu muito esforço para apaziguar o bispo Teófilo.

João tentou ministrar à grande comunidade dos góticos da cidade, dando-lhes boas-vindas, mas não aprovando a heresia ariana que muitos deles professavam. Pregava de maneira veemente contra o pecado, sempre que deparava com ele, a começar pelo próprio clero. Sacerdotes flertavam com a imoralidade, e João queria que isso acabasse. Ele também pregava contra as roupas insinuantes das mulheres de Constantinopla. Embora não se saiba se João tenha feito isso de propósito, o fato é que a imperatriz Eudóxia tomou as palavras de João como afronta pessoal.

Quanto a Teófilo, a gota d’água foi o fato de João ter aceitado quatro monges, defensores da teologia de Orígenes, que haviam sido disciplinados em Alexandria. O bispo alexandrino viajou para Constantinopla e se reuniu com os inimigos de João. Em uma propriedade conhecida como “O Carvalho”, em 403, foi promovido um sínodo que condenou os ensinamentos de João e o baniu de sua igreja.

Eudóxia, no entanto, era supersticiosa. Um acidente, talvez um terremoto, aconteceu no palácio logo depois do sínodo e a imperatriz ficou assustada. Ela, imediatamente, pediu ao imperador que revogasse as decisões do sínodo. João foi trazido de volta por um período de cerca de um ano. Destemido como era, continuou a expressar de maneira aberta que pensava, especialmente quando uma estátua de Eudóxia foi levantada ao lado da catedral.

A imperatriz reagiu. Soldados imperiais interromperam um culto de Páscoa e alguns dos seguidores de João foram massacrados. João foi mandado para o exílio, em Cucusso, lugar lúgubre perto da Armênia. O papa Inocencio i protestou contra esse tratamento, mas o protesto foi em vão.  O imperador do Oriente já tomara suas decisões. Mesmo no exílio, João continuou a se corresponder com seus seguidores, orientando-os sobre as questões da igreja. Logo, o imperador decidiu mandá-lo para mais longe ainda.

Foi assim que João morreu, viajando para o local de exílio ainda mais distante, em 407. Nas décadas seguintes, o papa Inocencio conseguiu limpar o nome de João, ao forçar o bispo Teófilo e outros a incluir o nome de João na lista de nomes pelas quais a igreja deveria orar.

João deixou o legado da boa pregação. Promoveu o estilo de exposição literal da Bíblia conforme praticado em Antioquia e, com Ambrosio, foi um dos primeiros líderes da igreja a se levantar corajosamente diante dos governantes e dizer: “Assim diz o Senhor…”. Alguns cristãos fariam a mesma coisa em outros momentos críticos da história.

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