HAVERÁ EXCEÇÕES NO JUÍZO FINAL?

Em Apocalipse 20.11-15 não se mencionam exceções, mas em
outras passagens vemos que o Justo Juiz deverá dar um tratamento
diferente para alguns casos. Como será o julgamento das pessoas
que tiverem morrido sem ouvir a mensagem do evangelho? E as
crianças que morrem antes de atingir a maturidade necessária para
crer no evangelho? A mesma pergunta se aplica às pessoas que
nascem com problemas mentais. Como o Senhor Jesus as julgará?
Não é possível saber ao certo quais serão os critérios do julgamento
dos grupos mencionados, mas prevalecerá, sem dúvida,
a infalível justiça divina. O Justo Juiz agirá com imparcialidade.
Como disse Abraão ao Senhor, em sua intercessão por Ló, “Longe
de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo
seja como o ímpio, longe de ti seja. Não faria justiça o Juiz de toda
a terra?” (Gn 18.25).
Pessoas que morrem sem ouvir o evangelho. Não cabe a nós
fazer especulações, porém o texto de Romanos 2.12-16 lança luz
sobre o assunto, apresentando algumas certezas quanto ao Juízo
Final no que concerne às pessoas mortas sem nunca terem ouvido o
evangelho. Na verdade, todos os pecadores serão julgados segundo
as suas obras. E os impenitentes serão condenados: “Assim, pois,
todos os que pecaram sem lei também sem lei perecerão; e todos os
que com lei pecaram mediante lei serão julgados” (v. 12, ARA).
Deus pune a alma pecadora (Ez 18.20). Mas considera tanto o
arrependimento do ímpio (vv. 21-23) quanto o desvio do justo (v.
24). O julgamento não se dará com base no que uma pessoa dizia
ser, e sim no que, verdadeiramente, ela praticou na Terra: “Porque
os simples ouvidores da lei não são justos diante de Deus, mas os
que praticam a lei hão de ser justificados” (Rm 2.13, ARA). E a lei
aqui não é propriamente o evangelho, e sim aquilo que a pessoa
assimilou durante a sua vida em relação a Deus.
Em Romanos 2.14 (ARA) está escrito: “Quando, pois, os gentios,
que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade
com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos”.
Como aqueles que não têm lei poderiam proceder de acordo
com ela? O Senhor não se revela ao ser humano apenas pela sua
Palavra. A própria criação manifesta a sua glória e a sua divindade
(SI 19.1-3; Rm 1.20).
Como essa lei fica gravada no coração dos homens, suas consciências
e seus pensamentos os acusam ou os defendem, a fim de
que não tenham reclamações, naquele dia: “Estes mostram a norma
da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a
consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou
defendendo-se” (Rm 2.15, ARA). Tudo o que está gravado no coração
dos seres humanos, na parte mais profunda de seu ser, virá
à tona. Os livros se abrirão no dia do juízo, e Deus, por meio de
Cristo Jesus, julgará os segredos de cada um (v. 16).
Crianças que morrem mentalmente imaturas. Não é de hoje
que os cristãos acreditam na salvação das crianças que ainda não
amadureceram o suficiente para crerem no evangelho. Afinal, o
Senhor Jesus afirmou que delas é o Reino de Deus (Mc 10.13-16).
Nesse caso, crê-se que os tais infantes, caso venham a morrer, estarão
protegidos pela graça preveniente e automaticamente salvos
da condenação, haja vista não terem a capacidade de atender à
condição exigida para o recebimento da salvação (cf. 16.16).
Entretanto, alguns pregadores da atualidade têm contestado
essa tese mediante três argumentações, pelo menos: julgamento
igualitário, aliança familiar com Deus e eleição soberana.
Julgamento igualitário. Os defensores desse argumento afirmam
— acertadamente — que a inocência das crianças é apenas uma
crença popular, haja vista serem elas pecadoras de nascimento (SI
51.5; Rm 5.12). Mas eles confundem pecaminosidade com
puníbi-lidade, não fazendo distinção entre pessoas mentalmente
maduras e imaturas para crer no evangelho.
De acordo com a Bíblia, as pessoas adultas, mentalmente maduras,
quando crêem no evangelho, escapam da condenação, mas
o Senhor não tira de dentro delas o pecado. Apesar de salvas pela
graça, ainda possuem a natureza caída, a tendência para o mal
(Rm 7.19-24). Como ilustração, Deus tirou os israelitas do Egito,
sem tirar o Egito de seus corações. Por isso, sentiam saudades da
vida velha. Ou seja, o Senhor Jesus liberta os salvos do poder do
pecado, e não da presença do pecado (6.12-14).
Isso denota que, apesar de sermos redimidos pelo sangue de
Cristo, continuamos sendo pecadores por natureza (1 Pe 1.18,19;
Rm 3.9). E, ainda que tenhamos a certeza da vida eterna e de que
nenhuma condenação há para nós (8.1), estamos sujeitos a pecar
(1 Jo 2.1; Lc 21.34). Não é, por conseguinte, o fato de não pecarmos
que nos livra da condenação, e sim o recebimento, pela fé, da
graciosa salvação em Cristo (Ef 2.8,9).
Embora as crianças mentalmente imaturas não sejam inocentes
de nascimento — posto que herdaram o pecado de nossos
primeiros pais (Rm 3.23; 5.12) —, elas são puras e vivem num
“período de inocência”, por assim dizer. Elas não têm o conhecimento
do bem e do mal, o qual se evidencia por atitudes maliciosas
e pela prática consciente do mal (Gn 3.7-11). Quanto ao
julgamento divino, portanto, faz-se necessário distinguir-se entre
as pessoas maduras e imaturas.
Aliança familiar com Deus. Alguns pregadores têm proposto
— com base em passagens como 1 Coríntios 7.14 e Atos 16.31
— que as crianças pertencentes a um lar compromissado com o
Senhor estão automaticamente salvas. Quanto às outras, mesmo
não tendo a capacidade de discernir as coisas, o que lhes impos
sibilita de reconhecerem o seu pecado e crerem no evangelho,
estão condenadas.
Consideremos as crianças que morrem ao nascer ou poucos
dias depois de seus nascimentos. Seriam elas condenadas ao Inferno
por não pertencerem a uma família cristã? E se, na sua
família, apenas um dos pais for salvo? Se crianças incapazes de
raciocinar e crer no evangelho podem ser condenadas, caso morram
nessa fase, como conciliar isso com o princípio bíblico da
justiça divina? Permitiria o Justo Juiz que criaturas suas entrassem
no mundo por pouco tempo, com o único propósito de serem
condenadas a sofrer por toda a eternidade? E, ainda, sem terem a
mínima chance de defesa?
Em 1 Coríntios 7.14 está escrito: “Porque o marido descrente
é santificado pela mulher, e a mulher descrente é santificada pelo
198
O Fim não É o Fim
marido. Doutra sorte, os vossos filhos seriam imundos; mas, agora,
são santos”. Fica evidente, à luz do contexto, que esta passagem
não trata de salvação eterna, e sim da influência positiva que um
cônjuge pode ter sobre o outro, caso se converta (1 Pe 3.1,2).
A prova de que uma pessoa salva não determina que cônjuge e
filhos sejam igualmente salvos está em 1 Coríntios 7.16: “Porque,
donde sabes, ó mulher, se salvarás teu marido? Ou, donde sabes,
ó marido, se salvarás tua mulher?” Não é o fato de os pais serem
salvos que garante a salvação da alma de seus filhos. Caso contrá­
rio, ao atingirem a maturidade, não precisariam crer no evangelho
(Jo 3.36), posto que já teriam recebido de antemão a salvação, em
razão de pertencerem a uma família evangélica.
Quando Paulo disse ao carcereiro de Filipos que, se ele cresse
no Senhor Jesus Cristo, a sua família seria salva (At 16.31), fez essa
afirmação no sentido de que a sua influência, como pai de família,
levaria todos a receberem o evangelho. Afinal, a salvação depende
de uma decisão pessoal de cada um: “para que todo aquele que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
Segue-se que a ideia da salvação por aliança familiar é
anti-bíblica e se assemelha à tese romanista da salvação por
batismo sacramentalista. De acordo com essa teoria, todas as
crianças se tornam salvas após o sacramento, contrariando o
princípio de que o batismo deve ser ministrado aos que têm
maturidade para crer (Mc 16.16). Ademais, batismo não salva;
trata-se de uma ordenança para quem já possui a certeza da
salvação (Rm 6.1-14).
Eleição soberana. Alguns pregadores afirmam que existem
crianças salvas e crianças perdidas, mesmo antes de nascerem,
haja vista salvação e condenação decorrerem da eleição soberana
de Deus. Ninguém menos que Calvino defendia esse pensamento!
“Os pequeninos que recebem o sinal da regeneração e da renovação,
se passam deste mundo antes de chegarem à idade da razão,
caso tenham sido escolhidos pelo Senhor, são regenerados e renovados
pelo seu Espírito, como lhe apraz, segundo o seu poder, para
nós oculto e incompreensível” (As Instituías [2006], III.11).
Os defensores dessa tese dizem que é totalmente equivocada
a ideia de que as crianças imaturas herdam o Reino de Deus
automaticamente só por serem incapazes de crer no evangelho.
Alegam — acertadamente — que o termo grego toiouton, em Mateus
19.14, não se refere à salvação de crianças, e sim às pessoas
que se assemelham a elas. Mas, na passagem correlata de Marcos
10.14,15, está escrito: “Deixai vir os pequeninos a mim e não os
impeçais, porque dos tais é o Reino de Deus. Em verdade vos digo
que qualquer que não receber o Reino de Deus como uma criança
de maneira nenhuma entrará nele”.
Em outras palavras, as crianças são tão puras, simples, humildes,
que foram tomadas para exemplificar como devem ser os
adultos verdadeiramente convertidos (Mt 18.1 -4). E, se os infantes
são o padrão para os que hão de herdar o Reino de Deus, por que
a alguns deles seria negada a entrada no céu? O que o texto em
apreço quer dizer, em última análise, é que, assim como o Reino de
Deus é recebido pelas crianças, também o será por aqueles que se
fizerem semelhantes a elas.
Outra passagem citada em defesa da suposta condenação de
crianças mentalmente imaturas é Marcos 9.21,22. Esta mostra que
um rapaz estava possuído — antes de ter sido liberto por Jesus
Cristo — por um espírito mudo desde a sua infância. No entanto,
o fato de o Senhor ter expulsado o demónio daquele rapaz não o
transformou em uma pessoa salva, visto que a salvação da alma
depende de arrependimento e fé (At 3.19; Rm 10.9,10). O Senhor
apenas deu àquele jovem a oportunidade de, a partir daquele momento,
pela livre-vontade, segui-lo (cf. Lc 9.23).
Por outro lado, se a expulsão de demónios da vida de uma
pessoa não lhe garante a salvação de imediato, sendo necessários,
ainda, o arrependimento e a fé, não se pode, também, afirmar que
uma criança mentalmente imatura esteja sentenciada ao Inferno
pelo fato de não ter, por si mesma, como se defender do ataque de
espíritos malignos. Afinal, muitas crianças que sequer conseguem
falar e andar direito já são atormentadas e apresentam comportamento
estranho, resultante de possessão ou influência demoníaca.
Alguns pregadores têm afirmado — também de modo erróneo —
que todas as crianças, pelo simples fato de serem consideradas ima
turas mentalmente, estão salvas, exatamente por causa disso. Esse
conceito é antibíblico e extremado, porque a salvação sempre se dá
pela graça de Deus, e não por nossos méritos (Tt 2.11; Rm 3.20).
Por outro lado, podemos crer que Deus oferece a expiação — já
realizada na cruz por Jesus Cristo — às crianças que não têm idade
para prestação de contas, visto que elas não possuem maturidade
para crer (Jo 3.36; Mc 16.16). A salvação delas se dá pela graça
preveniente, e não simplesmente por serem crianças.
No Trono Branco, todos os mortos condenados comparecerão
diante do Juiz para receberem a sentença. E o julgamento de cada
um desses ímpios se dará “segundo as suas obras” (Ap 20.12,13).
Ora, no caso das crianças mentalmente imaturas, como o Senhor
condenaria ao Lago de Fogo pessoas que sequer tiveram a oportunidade
de entender o que são as más obras? Essa suposta condenação
seria mesmo baseada no fato de a criança não ter pertencido a
uma família cristã nem eleita para a vida eterna?
A Palavra de Deus enumera, em Apocalipse 21.8 e 22.15, como
vimos, as más obras que condenarão os ímpios ao Inferno: “quanto
aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas,
e aos fornicários, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os
mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre,
o que é a segunda morte. Ficarão de fora os cães e os feiticeiros, e
os que se prostituem, e os homicidas, e os idólatras, e qualquer que
ama e comete a mentira”. De quais más obras o Justo Juiz acusaria
os infantes que sequer alcançaram a maturidade necessária para
entender o que é pecado?
Conquanto seja difícil estabelecer-se precisamente a fase da
imaturidade para se crer no evangelho, se a morte de uma pessoa
ocorrer nesse período da vida, ela seria alcançada pela graça preveniente:
“dos tais é o Reino de Deus” (Lc 18.16,17). Essa argumentação
me parece bastante lógica. Mas sabemos que, seja qual
for o critério usado pelo Justo Juiz, Ele jamais condenará pessoas
de modo arbitrário (Gn 18.23-33).

 

fonte: Erros Escatológicos que os Pregadores Devem Evitar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima