TELL MARDIK A nordeste da Síria, na metade do caminho entre o
Egito e a Assíria, existe uma série de impressionantes pequenos montes. Por muitas
décadas, foram negligentemente apontados como montículos erguidos por causa do
assédio dos hicsos às cidades durante sua expansão rumo ao sul, nos séculos XVI e XV
a.C. Outros diziam que eram cidades árabes dos séculos VII e VIII d.C. O mais
impressionante dentre eles é conhecido como Tell Mardik, localizado cerca de 48 km ao
sul da moderna Alepo. Eleva-se uns 15 m sobre a planície e cobre uma superfície de 57
ha. Na primavera de 1964, o dr. Paolo Matthiae, professor de arqueologia do Oriente
Próximo da Universidade de Roma, obteve permissão para escavar Tell Mardik em
companhia da esposa Gabriela e de uma eficiente equipe de ajudantes. Eles escavaram
fossas quadradas de 4 x 4 m, separadas por 1 m, semelhantes às que haviam sido feitas
por Kathleen Kenyon em Jericó e em Jerusalém. Em cada quadrado, trabalhavam um
cavador, um homem com uma pá e outro com um carrinho de mão. Os supervisores
eram o diretor, o sub-diretor e um chefe de campo. Nos primeiros anos, foram
realizadas sondagens em várias partes do montículo. Desenterraram as portas da cidade,
semelhantes às de Salomão em Gezer e Megido, bem como dois pequenos templos em
forma de capela, parecidos com os famosos templos de Siquém, Megido e Hazor. Todos
datam de entre 2000 e 1600 a.C., período correspondente à Idade do Bronze Médio I e
II. Em 1968, os arqueólogos descobriram uma estátua real que trazia uma inscrição dedicada a um tal Ibbit-Lim, “senhor da cidade de Ebla, e à deusa Istar”. Imediatamente,
constatou-se que estavam escavando a notável metrópole do reino de Ebla — um
imenso império semítico, cujo centro estava localizado nas planícies da moderna Síria.
Os arqueólogos pressentiam havia muito tempo a existência dessa civilização no norte
da Síria, baseados em referências ocasionais encontradas em inscrições antigas
provenientes das cidades de Ur, Lagash, Nipur e Mari e do Egito. Agora tinham diante
de si a confirmação da existência de muitos lugares ligados a acontecimentos históricos.
Em 1973, foi iniciado o trabalho na Ebla da Idade do Bronze Antigo (2400-2225 a.C.).
Uma tabuinha encontrada pelos escavadores indicava que a cidade nesse período estava
dividida em dois setores: uma acrópole (a cidade alta) e a cidade baixa. A acrópole
continha quatro complexos de edifícios: o palácio da cidade, o palácio do rei, o palácio
dos servos e os estábulos. A cidade baixa estava dividida em quatro instalações, e cada
uma delas tinha uma porta: a porta da cidade, a porta de Dagam, a porta de Rasape e a
porta de Sipis. Em 1975, ao escavar o palácio da cidade, centro administrativo principal,
encontraram as ruínas de um grande palácio real de três andares, que florescera quatro
gerações antes do nascimento de Abraão. O palácio tinha um amplo auditório (de 30 a
52 m, com um pórtico de colunas de pedra e de madeira entalhada, adornadas de ouro e
lápis-lazúli), um quarto na torre e dois quartos menores na entrada do pátio. No quarto
da torre, havia 42 tabuinhas cuneiformes com anotações sobre negócios e uma tabuinha
pequena com exercícios escolares. No ano seguinte, os escavadores trabalharam nas
duas salas à entrada do pátio. Na primeira, encontraram cerca de mil tabuinhas com
anotações de negócios e assuntos administrativos, “espalhadas e desordenadas”. A
segunda sala era uma grande biblioteca — guardava arquivos reais autênticos, que
consistiam de 15 mil tabuinhas, colocadas em ordem nas estantes de madeira. Porém, o
palácio fora consumido por um incêndio. As chamas devoraram as estantes de madeira,
mas as tabuinhas ficaram amontoadas. A senhora Matthiae informou: “Era uma cena
assombrosa. Eu não podia acreditar que havíamos descoberto um tesouro tão imenso,
tão belo e tão importante. Até meu marido, que raramente perde o sangue-frio,
comoveu-se diante de experiência tão emocionante. De repente, sentiu o que devem ter
sentido os arqueólogos do século passado, como Botta, ao descobrir os arquivos de
Assurbanipal, ou Hilprecht, quando desenterrou as tabuinhas de Nipur”.
Em uma sala próxima, foram descobertas outras mil tabuinhas de barro, semelhantes a
rascunhos de escritura. Os escavadores concluíram que a sala pertencia a um escriba.
Em outra sala, havia oitocentas tabuinhas e, junto a elas, figuras de madeira belamente
entalhadas, impressões de selos e placas de madeira, de ouro e de lápis-lazúli. Foi
encontrada também uma lâmina de ouro. Consciente da gigantesca tarefa que se erguia à
sua frente, o dr. Matthiae chamou em seu auxílio Giovanni Pettinato, Diretor do
Departamento de Assiriologia e Sumeriologia da Universidade de Roma. Pettinato
concluiu que a maioria das tabuinhas estava escrita em caracteres sumérios cuneiformes
(em forma de cunha), o idioma escrito mais antigo do mundo. As próprias tabuinhas,
todavia, datavam da metade do III milênio a.C. Uma tabuinha maior que as demais era
nada menos que um dicionário, pelo qual Pettinato pôde decifrar muitas outras tabuinhas eblitas. Cerca de 20% das tabuinhas estavam escritas no idioma semítico
usado na região nordeste, ao qual Pettinato chamou paleocananeu (cananeu antigo),
embora a escrita utilizada fosse também suméria cuneiforme. Ele afirmou que esse era o
idioma falado em Ebla, próximo do hebreu bíblico no vocabulário e na gramática mais
que qualquer outro dialeto cananeu, inclusive o ugarítico. Conteúdo e significado das
tabuinhas. As tabuinhas desenterradas até agora somam quase 20 mil. A maior parte
delas é de grande tamanho. As que foram traduzidas (somente uma fração do total)
informam sobre a economia, a administração, a educação, a religião, o comércio e as
conquistas do grande império comercial esquecido nas tradições históricas do Oriente
Próximo. Os escavadores trabalharam 18 temporadas, até novembro de 1982. Acreditase que sejam necessários duzentos anos para explorar o restante de Tell Mardik e
adjacências e digerir toda a informação recolhida nas tabuinhas. Ainda assim, o que foi
achado até agora trouxe luz a muitos aspectos da investigação no campo da história da
Antiguidade e da arqueologia bíblica. Em muitos pontos, as tabuinhas de Ebla são
consideradas as mais significativas, pois esclarecem a história antiga e os antecedentes
primitivos da Bíblia mais que qualquer outra descoberta arqueológica ocorrida até hoje.
A cidade de Ebla, cuja população — indicada em uma tabuinha — era de 260 mil
habitantes, foi uma das maiores potências do antigo Oriente Próximo no III milênio a.C.
A influência comercial e política desse império estendeu-se para além de suas
fronteiras, desde o Sinai, no sudoeste, até a Mesopotâmia, no leste. Como centro
comercial de grande importância, controlava as rotas comerciais leste—oeste de grãos e
de gado provenientes do oeste, de madeira de cedro do Líbano e de metais e têxteis da
Anatólia, a terra dos hititas. Controlava também o intercâmbio de prata, de ouro e de
várias outras mercadorias que provinham de Chipre e de outros países mediterrâneos.
Ebla foi uma florescente civilização semítica. Suas “artes prosperaram, e seus artesãos
eram muito conhecidos pela qualidade do trabalho em metal, dos têxteis, da cerâmica e
das obras de carpintaria. Eles fabricavam telas de escarlate e de ouro, armas de bronze e
móveis de madeira. O sistema educativo era muito avançado. Conservavam registros na
própria língua em tabuinhas de barro, e estas eram guardadas em arquivos nas
profundidades dos sótãos do palácio real”. Tudo isso existiu mais de mil anos antes da
brilhante civilização de Davi e Salomão. Ebla teve um rei e uma rainha. À semelhança
de Israel, seus reis eram ungidos. Também havia profetas. O rei estava sempre bem
informado dos assuntos de Estado, e à rainha era dedicado respeito semelhante. O
príncipe herdeiro ajudava nos assuntos domésticos e administrativos, enquanto o
segundo filho auxiliava o pai nos assuntos estrangeiros. As tabuinhas são explícitas
acerca da estrutura do Estado e da dinastia real. Mencionam seis reis, entre os quais
figura Ebrum. A semelhança do nome com o de Éber, pai dos semitas (Gn 10:21), é
surpreendente, já que é praticamente o mesmo nome do descendente direto de Noé e
antecessor de Abraão, na sexta geração. Outros nomes encontrados nesses textos e mais
tarde encontrados em personagens bíblicas são: Abraão, Esaú, Saul, Miguel, Davi,
Israel e Ismael. Eram cerca de quinhentos os deuses adorados em Ebla, entre eles El e
Yah. El é a forma abreviada de Elohim, usada mais tarde pelos hebreus, e que aparecia
também nas tabuinhas ugaríticas. Alguns crêem que Yah seja a forma abreviada de Iavé
ou Jeová, usada pelos habitantes de Ebla para designar seu Deus supremo e os deuses em geral. Os outros deuses principais eram: Dagam, Rasap (Resef), Sipis, (Samis),
Astar, Adade, Kamis e Malique. Ao registrar o comércio e os tratados de Ebla, as
tabuinhas mencionam o nome de centenas de lugares, entre os quais Urushalim
(Jerusalém), Gaza, Láquis, Jope, Astarote, Dor e Megido, bem como o de cidades a leste
do Jordão. A tabuinha 1860 menciona as cidades da planície na mesma ordem em que
são citadas em Gênesis 14:2 (Sodoma, Gomorra, Admá, Zeboim e Belá, ou Zoar) —
com as quais Ebla mantinha movimentado intercâmbio. Era a primeira vez que os
nomes desse lugares eram encontrados fora da Bíblia. O dr. David Noel Freedmen
afirmou que o registro é anterior à grande catástrofe que envolveu Ló, porém muitos
estudiosos modernos consideram a declaração totalmente fictícia. Os textos contêm
histórias cananéias da Criação e do Dilúvio e um código cananeu de leis. A tabuinha da
Criação, um belo poema de dez linhas, concorda mais com a narrativa de Gênesis que
qualquer outra encontrada até hoje. Em síntese, parte do poema diz: “Houve uma época
em que não existia o céu, e Lugal (“o Grande”) o formou do nada. A terra não existia, e
Lugal a fez. A luz não existia, e ele a fez”.A história do Dilúvio é registrada nas cinco
colunas de uma tabuinha. Só haviam sido decifradas duas colunas quando este artigo foi
escrito. Até agora, Ebla foi apenas parcialmente escavada. Já foram descobertos, no
entanto, parte do palácio real, dois templos, uma fortaleza, três portas da cidade e cerca
de 20 mil tabuinhas. As tabuinhas são parte dos arquivos oficiais de um grande império.
Em certa época, Ebla governou sobre Mari e lhe cobrava tributos. Os contratempos
vieram, e a antiga Ebla foi destruída. Tudo indica, porém, que a destruição foi
incompleta, pois Ebla experimentou uma sobrevida na primeira parte do II milênio a.C.
Desse período, os escavadores só encontraram restos arquitetônicos e a estátua do rei
Ibbit-Lim. Por volta de 1800 a.C., Ebla tornou-se Estado vassalo do grande reino de
Alepo, que as cartas de Mari mencionam como Yamhad. Duzentos anos depois, NaramSin, rei de Acade, derrotou Ebla em uma batalha e destruiu a cidade. Ebla jamais se
recuperou do desastre e permaneceu sepultada sob os próprios escombros, até que os
escavadores modernos começaram a ressuscitá-la. A contribuição de Ebla à arqueologia
e à geografia histórica enriquece o cenário bíblico, tornando-o mais real, embora Ebla
haja precedido o Israel antigo de quatrocentos a mil anos. Ela proporciona ao estudante
da Bíblia uma compreensão mais plena da vida e da época do mundo mediterrâneo
oriental do III milênio a.C. e da civilização que formou parte da herança de Abraão.
fonte: BIBLIA THOMPSON