1854

Soren Kierkegaard publica ataques à cristandade

A teologia do século XX poderia ter sido bastante diferente, não fosse por uma jovem chamada Regina Olsen. Ela era a futura noiva de um dinamarquês brilhante, Soren Kierkegaard. O noivado e a ruptura desse compromisso fizeram com que Soren iniciasse uma produção frenética de escritos filosóficos. As obras que ele produziu contribuíram, de modo significativo, para mudar a forma do pensamento moderno.

Kierkegaard nasceu em uma família influente, em 1813. Seu pai, um empresário bem-sucedido, aposentou-se precocemente. Nessa fase de sua vida, o pai gostava de convidar professores para jantar a fim de que pudessem compartilhar suas idéias. Soren, o filho mais novo, era o predileto da família. Seu pai o amava de modo muito especial, assim como admirava o raciocínio rápido do filho.

Aos dezessete anos, Kierkegaard foi enviado para a Universidade de Copenhague. Seu pai queria que ele estudasse para o sacerdócio, mas o jovem se recusou. Essa foi apenas uma das muitas discussões que teve com seu pai, que sempre financiou a educação de Soren, bem como seu estilo de vida esbanjador. O jovem Kierkegaard tornou-se um tipo de “estudante perpétuo”. Pouco antes da morte de seu pai, Soren conseguiu reconciliar-se com ele, e o jovem terminou por estudar Teologia, embora nunca tenha sido ordenado.

Nessa época, Regina Olsen chamou sua atenção. Ela era apenas uma adolescente, mas Soren estava decidido a se casar com ela. O único problema era que ela estava interessada em outra pessoa. Soren continuou sua ofensiva, encantando Regina e sua família e levando-a a romper com o outro pretendente, para, a seguir, pedir sua mão em casamento.

Agora, porém, ele não a queria mais. Ou talvez se considerasse indigno dela. Parece que ele tinha algum segredo profundo e obscuro que o impedia de se aproximar dela. O que deveria fazer? Se rompesse o noivado, isso seria uma desgraça para ela. Não seria justo. Porém, se ela rompesse, seria a melhor solução. Desse modo, Soren tentou fazer com que ela desmanchasse o noivado com ele. Ele se tornou uma pessoa amarga e desagradável. Ela conseguiu suportar isso por bastante tempo, mas, por fim, se cansou.

Todo esse episódio teve um grande peso no coração já pessimista de Kierkegaard. Ele era o vilão e a vítima de sua própria vilania. Começou a escrever uma série de textos filosóficos, questionando as pressuposições daqueles dias. Essas obras foram publicadas sob pseudônimos. Depois, assinando seu verdadeiro nome, ele lançava livros que respondiam àquelas questões.

Uma das primeiras dessas obras — Um ou outro — foi saudada por um jornal satírico chamado O Corsário, periódico que raramente aplaudia alguma coisa. Kierkegaard ficou perturbado pela api-ovação e pediu que o jornal se retratasse. O Corsário simplesmente zombou de seu pedido e começou a expor Kierkegaard ao ridículo.

Isso isolou ainda mais o filósofo solitário. O fiasco com Regina Olsen maculara seu nome em diversos círculos da sociedade, e, agora, O Corsário o insultava em público.

Ele, no entanto, continuou a escrever, voltando sua atenção para temas religiosos. De que maneira alguém pode ser um cristão verdadeiro em um mundo caído? Suas respostas eram desesperadoras. Ele não tinha esperança nos sistemas ou nas instituições de sua época. Somente, conforme se posicionara, os milagres de Deus poderiam nos salvar.

Ele ainda não planejava um ataque devastador sobre a igreja organizada, mas seus pensamentos caminhavam nessa direção. A igreja dinamarquesa daquela época era influente e próspera, assim como foi a defensora da boa teologia luterana e de seus rituais. Porém, Kierkegaard via pouca vida nisso tudo. Kierkegaard deixou de escrever em 1850, talvez por temer o ponto ao qual seus escritos o levariam.

A morte de seu amigo J. P. Mynster, bispo de Zealand, o pôs novamente em ação. A seu modo, Myns-ter, tentara soprar nova vida na igreja dinamarquesa, mas obtivera resultados limitados. Kierkegaard aproveitou a ocasião para ralhar rudemente com a igreja por sua negligência aos verdadeiros ensinamentos de Cristo, por sua devoção à forma e aos sistemas filosóficos e por sua adoração ao dinheiro e ao poder. Entre dezembro de 1854 e maio de 1855, ele publicou 21 artigos no jornal A Pátria, além de outros textos que foram publicados de maneira independente.

Em outubro de 1855, Kierkegaard sofreu um derrame, vindo a morrer um mês depois.

Seus textos influenciaram alguns pensadores-chave do século xix, mas sua maior influência só apareceu bastante tempo depois. Kierkegaard foi saudado como o pai do “exietencialismo”, corrente filosófica que ganhou preeminencia no século XX. Filósofos e teólogos desenvolveram as idéias de Kierkegaard de muitas maneiras, e algumas delas fariam com que ficasse bastante irado, mas outras, até aprovaria.

Kierkegaard é o responsável por muito da subjetividade da teologia moderna, mas sua subjetividade resultou de sua humildade. Ele defendia que Deus não é um objeto que podemos dissecar e analisar cientificamente, pois o Senhor é um Ser vivo e ativo que nos confronta com o objetivo de nos salvar.

Do mesmo modo, nós, os humanos, não somos simplesmente uma peça dentro de um quebra-cabeça. Somos seres, disse Kierkegaard, com vontades, esperanças e tristezas. Ele lutou contra os sistemas abstratos — quer fossem filosóficos, quer fossem religiosos — que buscassem algum tipo de verdade abstrata. Ele insistia em que a religião precisava nos dizer de que maneira deveríamos viver.

O pensador dinamarquês também se desesperou diante de nossa inabilidade, como seres humanos, de alcançar Deus pelo intelecto. Nossa razão somente nos leva até determinado ponto, disse ele, e, desse ponto em diante, precisamos dar um salto no escuro, na fé de que Deus se encontrará conosco ali. Esse salto exige de nós total compromisso, uma rejeição dos valores do mundo e, às vezes, até mesmo dos valores da igreja.

O desespero de Kierkegaard, caso consideremos o apogeu inebriante do Iluminismo, foi praticamente uma surpresa para as pessoas de sua época.

Contudo, ele antecipou a desumani-dade da Revolução Industrial, assim como a ascensão e a queda do modernismo. Esse grande dinamarquês estava um século à frente de seu tempo.

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