Um pagão culto, desejoso de conhecer melhor a nova religião que se espalhava pelas províncias do
império romano, impressionado pela maneira como os cristãos desprezavam o mundo, a morte e os
deuses pagãos, pelo amor com que se amavam, queria saber: que Deus era aquele em quem
confiavam e que gênero de culto lhe prestavam; de onde vinha aquela raça nova e por que razões
aparecera na história tão tarde.
Foi para responder a estas e outras questões de igual importância que nasceu esta jóia da literatura
cristã primitiva, o escrito que conhecemos como Epístola a Diogneto.
O texto se revela, simultaneamente, como crítica do paganismo e do judaísmo e defesa da
superioridade do cristianismo.
Sobre este documento, infelizmente, não se sabe muita coisa. Elementos importantes que ajudam a
determinar e caracterizar uma obra, tais como autor, data e local de composição, bem como o
destinatário, ficam na sombra. De qualquer maneira trata-se de um documento de primeira grandeza
sobre a vida cristã primitiva que merece ser colocado entre as obras mais brilhantes da literatura cristã.
De acordo com os últimos estudos o destinatário mais provável seria o imperador Adriano, que
exercia a função de arconte em Atenas desde 112 d.C.
Exódio
Excelentíssimo Diogneto,
1. Vejo que te interessas em aprender a religião dos cristãos e que, muito sábia e cuidadosamente te
informaste sobre eles: Qual é esse Deus no qual confiam e como o veneram, para que todos eles
desdenhem o mundo, desprezem a morte, e não considerem os deuses que os gregos reconhecem, nem
observem a crença dos judeus; que tipo de amor é esse que eles têm uns para com os outros; e,
finalmente, por que esta nova estirpe ou gênero de vida apareceu agora e não antes. Aprovo este teu
desejo e peço a Deus, o qual preside tanto o nosso falar como o nosso ouvir, que me conceda dizer de
tal modo que, ao escutar, te tornes melhor; e assim, ao escutares, não se arrependa aquele que falou.
Refutação da idolatria
2. Comecemos. Purificado de todos os preconceitos que se amontoam em sua mente; despojado do teu
hábito enganador, e tornado, pela raiz, homem novo; e estando para escutar, como confessas, uma
doutrina nova, vê não somente com os olhos, mas também com a inteligência, que substância e que
forma possuem os que dizeis que são deuses e assim os considerais; não é verdade que um é pedra,
como a que pisamos; outro é bronze, não melhor que aquele que serve para fazer os utensílios que
usamos; outro é madeira que já está podre; outro ainda é prata, que necessita de alguém que o guarde,
para que não seja roubado; outro é ferro, consumido pela ferrugem; outro de barro, não menos
escolhido que aquele usado para os serviços mais vis? Tudo isso não é de material corruptível? Não
são lavrados com o ferro e o fogo? Não foi o ferreiro que modelou um, o ourives outro e o oleiro
outro? Não é verdade que antes de serem moldados pelos artesãos na forma que agora têm, cada um
deles poderia ser, como agora transformado em outro? E se os mesmos artesãos trabalhassem os
mesmos utensílios do mesmo material que agora vemos, não poderiam transformar-se em deuses
como esses? E, ao contrário, esses que adorais, não poderiam transformar-se, por mãos de homens, em
utensílios semelhantes aos demais? Essas coisas todas não são surdas, cegas, inanimadas, insensíveis,
imóveis? Não apodrecem todas elas? Não são destrutíveis? A essas coisas chamais de deuses, as
servis, as adorais, e terminais sendo semelhante a elas. Depois, odiais os cristãos, porque estes não os
consideram deuses. Contudo, vós que os julgais e imaginais deuses, não os desprezais mais do que
eles? Por acaso não zombais deles e os cobris ainda mais de injúrias, vós que venerais deuses de pedra
e de barro, sem ninguém que os guarde, enquanto fechais à chave, durante a noite, aqueles feitos de
prata e de ouro, e de dia colocais guardas para que não sejam roubados? Com as honras que acreditais
tributar-lhes, se é que eles têm sensibilidade, na verdade os castigais com elas; por outro lado, se são
insensíveis, vós os envergonhais com sacrifícios de sangue e gordura. Caso contrário, que alguém de
vós prove essas coisas e permita que elas lhe sejam feitas. Mas o homem, espontaneamente, não
suportaria tal suplício, porque tem sensibilidade e inteligência; a pedra, porém, suporta tudo, porque é
insensível. Concluindo, eu poderia dizer-te outras coisas sobre o motivo que os cristãos têm para não
se submeterem a esses deuses. Se o que eu disse parece insuficiente para alguém, creio que seja inútil
dizer mais alguma coisa.
Refutação do culto judaico
3. Por outro lado, creio que desejais particularmente saber por que eles não adoram Deus à maneira
dos judeus. Os judeus têm razão quando rejeitam a idolatria, de que falamos antes, e prestam culto a
um só Deus, considerando-o Senhor do universo.Contudo, erram quando lhe prestam um culto
semelhante ao dos pagãos. Assim como os gregos demonstram idiotice, sacrificando a coisas
insensíveis e surdas, eles também, pensando em oferecer coisas a Deus, como se ele tivesse
necessidade delas, realizam algo que é parecido a loucura, e não um ato de culto. “Quem fez o céu e a
terra, e tudo o que neles existe”, e que provê todo aquilo de que necessitamos, não tem necessidade
nenhuma desses bens.Ele próprio fornece as coisas àqueles que acreditam oferece-las a ele. Aqueles
que crêem oferecer-lhe sacrifícios com sangue, gordura e holocaustos, e que o enaltecem com esses
atos, não me parecem diferentes daqueles que tributam reverência a ídolos surdos, que não podem
participar do culto. Os outros imaginam estar dando algo a quem de nada precisa.
O ritualismo judaico
4. Não creio que tenhas necessidade de que eu te informe sobre o escrúpulo deles a respeito de certos
alimentos, a sua superstição sobre os sábados, seu orgulho da circuncisão,seu fingimento com jejuns e
novilúnios, coisas todas ridículas, que não merecem nenhuma consideração. Não será injusto aceitar
algumas das coisas criadas por Deus para uso dos homens como bem criadas e rejeitar outras como
inúteis e supérfluas? Não é sacrílego caluniar a Deus, imaginando que nos proíbe fazer algum bem em
dia de sábado? Não é digno de zombaria orgulhar-se da mutilação do corpo como sinal de eleição,
acreditando, com isso ser particularmente amados por Deus? E o fato de estar em perpétua vigilância
diante dos astros e da lua, para calcular os meses e os dias, e distribuir as disposições de Deus, e
dividir as mudanças das estações conforme seus próprios impulsos, umas para festa e outras para luto?
Quem consideraria isto prova de insensatez e não de religião? Penso que agora tenhas entendido
suficientemente por que os cristãos estão certos em se abster da vaidade e do engano, assim como das
complicadas observâncias e das vanglórias dos judeus. Não creias poder aprender do homem o
mistério de sua própria religião.
Os mistérios cristãos
5. Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por sua língua ou
costumes. Com efeito, não moram em cidades próprias, nem falam língua estranha, nem têm algum
modo especial de viver. Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e a especulação de
homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano. Pelo contrário, vivendo
em casa gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto
à roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida admirável e, sem dúvida, paradoxal.
Vivem na sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo como cristãos e suportam tudo como
estrangeiros.Toda pátria estrangeira é pátria deles, a cada pátria é estrangeira. Casam-se como todos e
geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Põe a mesa em comum, mas não o leito; estão
na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem
as leis estabelecidas, as com sua vida ultrapassam as leis; amam a todos e são perseguidos por todos;
são desconhecidos e, apesar disso, condenados; são mortos e, deste modo, lhes é dada a vida; são
pobres e enriquecem a muitos; carecem de tudo e tem abundância de tudo; são desprezados e, no
desprezo, tornam-se glorificados; são amaldiçoados e, depois, proclamados justos; são injuriados, e
bendizem; são maltratados, e honram; fazem o bem, e são punidos como malfeitores; são condenados,
e se alegram como se recebessem a vida. Pelos judeus são combatidos como estrangeiros, pelos
gregos são perseguidos, a aqueles que os odeiam não saberiam dizer o motivo do ódio.
A alma do mundo
6. Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim estão os cristãos no mundo. A alma
está espalhada por todas as partes do corpo, e os cristãos estão em todas as partes do mundo. A alma
habita no corpo, mas não procede do corpo; os cristãos habitam no mundo, mas não são do mundo.A
alma invisível está contida num corpo visível; os cristãos são vistos no mundo, mas sua religião é
invisível. A carne odeia e combate a alma, embora não tenha recebido nenhuma ofensa dela, porque
esta a impede de gozar dos prazeres; embora não tenha recebido injustiça dos cristãos, o mundo os
odeia, porque estes se opõem aos prazeres. A alma ama a carne e os membros que a odeiam; também
os cristãos amam aqueles que os odeiam. A alma está contida no corpo, mas é ela que sustenta o
corpo; também os cristãos estão no mundo como numa prisão, mas são eles que sustentam o mundo.A
alma imortal habita em uma tenda mortal; também os cristãos habitam como estrangeiros em moradas
que se corrompem, esperando a incorruptibilidade nos céus. Maltratada em comidas e bebidas, a alma
torna-se melhor; também os cristãos, maltratados, a cada dia mais se multiplicam. Tal é o posto que
Deus lhes determinou, e não lhes é lícito dele desertar.
Origem divina do cristianismo
7. De fato, como já disse, não é uma invenção humana que lhes foi transmitida, nem julgam digno
observar com tanto cuidado um pensamento mortal, nem se lhes confiou a administração de mistérios
humanos. Ao contrario, aquele que é verdadeiramente senhor e criador de tudo, o Deus invisível, ele
próprio fez descer do céu, para o meio dos homens, a verdade, a palavra santa e incompreensível, e a
colocou em seus corações. Fez isso, não m,andando para os homens, como alguém poderia imaginar,
algum dos seus servos, ou um anjo, ou algum príncipe daqueles que governam as coisas terrestres, ou
algum dos que são encarregados das administrações dos céus, mas o próprio artífice e criador do
universo; aquele por meio do qual ele criou os céus e através do qual encerrou o mar em seus limites;
aquele cujo mistério todos os elementos guardam fielmente; aquele de cuja mão o sol recebeu as
medidas que deve observar em seu curso cotidiano; aquele a quem a lua obedece, quando lhe manda
luzir durante a noite; aquele a quem obedecem as estrelas que formam o séqüito da lua em seu
percurso; aquele que, finalmente, por meio do qual todo foi ordenado, delimitado e disposto: os céus e
as coisas que existem nos céus, a terra e as coisas que existem na terra, o mar e as coisas que existem
no mar, o fogo, o ar, o abismo, aquilo que está no alto, o que está no profundo e o que está no meio.
Foi esse que Deus enviou. Talvez, como alguém poderia pensar, será que o enviou para que existisse
uma tirania ou para infundir-nos medo e prostração? De modo algum. Ao contrário, enviou-o com
clemência e mansidão, como um rei que envia seu filho. Deus o enviou, e o enviou como homem para
os homens; enviou-o para nos salvar, para persuadir, e não para violentar, pois em Deus não há
violência. Enviou-o para chamar, e não para castigar; enviou-o, finalmente, para amar, e não para
julgar. Ele o enviará para julgar, e quem poderá suportar sua presença? Não vês como os cristãos são
jogados às feras, para que reneguem o Senhor, e não se deixam vencer? Não vês como quanto mais
são castigados com a morte, tanto mais outros se multiplicam? Isso não parece obra humana. Isso
pertence ao poder de Deus e prova a sua presença.
A Encarnação
8. Quem de todos os homens sabia o que é Deus, antes que ele próprio viesse? Quererás aceitar os
discursos vazios e estúpidos dos filósofos, que por certo são dignos de toda fé? Alguns afirmam que
Deus é o fogo – para onde irão estes, chamando-o de deus? – Outros diziam que é água. Outros ainda
que é dos elementos criados por Deus. Não há dúvida de que se alguma dessas afirmações é aceitável,
poderíamos também afirmar que cada uma de todas as criaturas igualmente manifesta Deus. Mas
todas essas coisas são charlatanices e invenções de charlatães. Nenhum homem viu, nem conheceu a
Deus, mas ele próprio se revelou a nós. Revelou-se mediante a fé, unicamente pala qual é concedido
ver a Deus. Deus, Senhor e criador do universo, que fez todas as coisas e as estabeleceu em ordem,
não só se mostrou amigo dos homens, mas também paciente. Ele sempre foi assim, continua sendo, e
o será: clemente, bom, manso e verdadeiro. Somente ele é bom. Tendo concebido grande e inefável
projeto, ele o comunicou somente ao Filho. Enquanto o mantinha no mistério e guardava sua sábia
vontade, parecia que não cuidava de nós, não pensava em nós. Todavia, quando, por meio de seu
Filho amado, revelou e manifesto o que tinha estabelecido desde o princípio, concedeu-nosjunto todas
as coisas: não só participar de seu benefícios, mas ver e compreender coisas que nenhum de nós teria
jamais esperado.
A economia divina
9. Quando Deus dispôs todo em si mesmo juntamente com seu Filho, no tempo passado, ele permitiu
que nós, conforme a nossa vontade, nos deixássemos arrastar por nossos impulsos desordenados,
levados por prazeres e concupiscências. Ele não se comprazia com os nossos pecados, mas também os
suportava. Também não aprovava aquele tempo de injustiça, mas preparava o tempo atual de justiça,
para que nos convencêssemos de que naquele tempo, por causa de nossas obras, éramos indignos da
vida, e agora, só pela bondade de Deus, somos dignos dela. Também para que ficasse claro que por
nossas forças era impossível entrar no Reino de Deus, e que somente pelo seu poder nos tornamos
capazes disso. Quando a nossa injustiça chegou ao máximo e ficou claro que a única retribuição que
poderiam esperar era castigo e morte, chegou o tempo que Deus estabelecera para manifestar a sua
bondade e o seu poder. Oh imensa bondade e amor de Deus! Ele não nos odiou, não nos rejeitou, nem
guardou ressentimento contra nós. Pelo contrário, mostrou-se paciente e nos suportou. Com,
misericórdia tomou para si os nossos pecados e enviou o seu Filho para nos resgatar: o santo pelos
ímpios, o inocente pelos maus, o justo pelos injustos, o incorruptível pelos corruptíveis, o imortal
pelos mortais. De fato, que outra coisa poderia cobrir nossos pecados, senão a sua justiça? Por meio de
quem poderíamos ter sido justificados nós, injustos e ímpios, a não ser unicamente pelo Filho de
Deus? Oh doce troca, oh obra insondável, oh inesperados benefícios! A injustiça de muito é reparada
por um só justo, e a justiça de um só torna justos muitos outros. Ele antes nos convenceu da
impotência da nossa natureza para ter a vida; agora mostra-nos o salvador capaz de salvar até mesmo
o impossível Com essas duas coisas, ele quis que confiássemos na sua bondade e considerássemos
nosso sustentador, pai, mestre, conselheiro, médico, inteligência, luz, homem, glória, força, vida, sem
preocupações com a roupa e o alimento.
A essência da nova religião
10. Se também desejas alcançar esta fé, primeiro deves obter o conhecimento do Pai. Deus, com
efeito, amou os homens. Para eles criou o mundo e a eles submeteu todas as coisas que estão sobre a
terra. Deu-lhes a palavra e a razão, e só a eles permitiu contemplá-lo. Formou-os à sua imagem,
enviou-lhes o seu Filho unigênito, anunciou-lhes o reino do céu, e o dará àqueles que o tiverem
amado. Depois de conhece-lo, tens idéia da alegria com que será preenchido? Como não amarás
aquele que tanto te amou? Amando-o, tu te tornarás imitador da sua bondade. Não te maravilhes de
que um homem possa se tornar imitador de Deus. Se Deus quiser, o homem poderá. A felicidade não
está em oprimir o próximo, ou em querer estar pro cima dos mais fracos, ou enriquecer-se e praticar
violência contra os inferiores. Deste modo, ninguém pode imitar a Deus, pois tudo isto está longe de
sua grandeza. Todavia, quem toma para si o peso do próximo, e naquilo que é superior procura
beneficiar o inferior; aquele que dá aos necessitados o que recebeu de Deus, é como Deus para os que
receberam de sua mão, é imitador de Deus. Então, ainda estando na terra, contemplarás porque Deus
reina nos céus. Aí começarás a falar dos mistérios de Deus, amarás e admirarás os que são castigados
por não querer negar a Deus. Condenarás o erro e o engano do mundo, quando realmente conheceres a
vida no céu, quando desprezares esta vida que aqui parece morte, e temeres a morte verdadeira,
reservada àqueles que estão condenados ao fogo eterno, que atormentarás até o fim aqueles que lhe
forem entregues. Se conheceres este fogo, ficarás admirado, e chamarás de felizes aqueles que, com
justiça, suportaram o fogo passageiro.
O discípulo do Verbo
11. Não falo de coisas estranhas, nem busco coisas absurdas. Discípulo dos apóstolos, torno-me agora
mestre das nações e transmito o que me foi entregue para aqueles que se tornaram discípulos dignos
da verdade. De fato quem foi retamente instruído e gerado pelo Verbo amável, não procura aprender
com clareza o que o mesmo Verbo claramente mostrou aos seus discípulos? O Verbo apareceu para
eles, manifestando-se e falando livremente. Os incrédulos não o compreenderam, mas ele guiou os
discípulos que julgou fiéis, e estes conheceram os mistérios do Pai. Deu enviou o Verbo como graça,
para que se manifestasse ao mundo. Desprezado pelo povo, foi anunciado pelos apóstolos a acreditado
pelos pagãos. Desde o princípio e apareceu como novo e era antigo, a agora sempre se torna novo nos
corações dos fiéis. Ele é desde sempre, e hoje é reconhecido como Filho. Por meio dele, a Igreja se
enriquece e a graça se multiplica, difundindo-se nos fiéis. Essa graça inspira a sabedoria, desvela os
mistérios e anuncia os tempos, alegra-se nos fiéis, entrega-se aos que a buscam, sem infringir as regras
da fé nem ultrapassar os limites dos Padres. Celebra-se então o temor da lei, reconhecesse a graça dos
profetas, conserva-se a fé dos evangelhos, guarda-se a tradição dos apóstolos e a graça da Igreja
exulta. Não contristando essa graça, saberás o que o Verbo diz por meio dos que ele quer e quando
quer. Com efeito, quantas coisas fomos levados a vos explicar com zelo pala vontade do Verbo que
no-las inspira! Nós vos comunicamos por amor essas mesmas coisas que nos foram reveladas.
A verdadeira ciência
12. Atendendo e ouvindo com cuidado, conhecereis que coisas Deus prepara para os que o amam com
lealdade. Transformam-se em paraíso de delícias, produzindo em si mesmos uma arvora fértil e
frondosa, ornados com toda a variedade de frutos. Com efeito, neste lugar foi plantada a árvore da
ciência e a arvora da vida; não é a arvora da ciência que mata, e sim a desobediência. Não é sem
sentido que está escrito: No princípio Deus plantou a arvora da ciência da vida no meio do paraíso,
indicando assim a vida por meio da ciência. Contudo, por não tê-la usado de maneira pura, os
primeiros homens ficaram nus por causa da sedução da serpente. De fato, não há vida sem ciência,
nem ciência segura sem verdadeira vida, e por isso as duas árvores foram plantadas uma perto da
outra. Compreendendo essa força e lastimando a ciência que se exercita sobre a vida sem a norma da
verdade, o Apóstolo diz: “A ciência incha; o amor, porém, edifica.” De fato, quem pensa que sabe
alguma coisa sem a verdadeira ciência, testemunhada pela vida, não sabe nada: é enganado pala
serpente, não tendo amado a vida. Aquele, porém, que sabe com temor e procura a vida, planta na
esperança, esperando o fruto. Que a ciência seja coração para ti; a vida seja o Verbo verdadeiramente
compreendido. Levando a arvora dele e produzindo fruto, sempre colherás o que é agradável diante de
Deus, o que a serpente não toca, nem se mistura em engano; nem Eva é corrompida, mas reconhecida
como virgem. A salvação é mostrada, os apóstolos são compreendidos, a Páscoa do Senhor se adianta,
os círios se reúnem, harmoniza-se com o mundo e, instruindo os santos, o Verbo se alegra, pelo qual o
Pai é glorificado. A ele, a glória pelos séculos. Amém.