LIVRO DE MELQUISEDEQUE

A História de um Vaso Capitulo I

Estava descansando sob a sombra do Carvalho de Mambré junto à minha tenda, quando vi chegar apressadamente um dos servos de meu sobrinho Ló. Quase sem fôlego, ele passou a relatar-me sobre a tragédia: Houvera no dia anterior uma batalha entre as cidades da planície, envolvendo quatro reis contra cinco. Como resultado, Sodoma fora derrotada e muitos de seus habitantes levados cativos, entre eles o meu sobrinho Ló. A notícia deixou-me muito aflito, pois ao mesmo tempo em que sentia que precisaria sair em seu socorro, via-me fragilizado, sem nenhuma condição.

Sempre fui um homem pacifico e detesto aqueles que derramam sangue. Tenho muitos servos, mas poucos sabem manejar espadas e lanças, pois desde à infância são treinados como pastores. Em lugar de espadas e lanças, eles manejam bordões com os quais conduzem os rebanhos; Em lugar de escudos, eles carregam vasos em suas cinturas, sempre cheios de água fresca, para matarem sua sede e refrigerarem as ovelhas aflitas; Em lugar de vinho para se embebedarem, carregam presos em seus cintos pequenas botijas com o azeite das oliveiras, com os quais untam as feridas do rebanho; Em lugar de ressonantes trombetas, eles sopram pequenos chifres, com os quais convocam o rebanho para o curral

Imaginando como seria um combate entre os meus servos e os exércitos daqueles cinco reis vitoriosos, comecei a rir. Enquanto gargalhava, a voz dAquele que sempre me guia, soou aos meus ouvidos, dizendo:

– Abraão, Abraão! Não menospreze os instrumentos dos pastores, pois santificados pelo fogo do sacrifício, haverão de conquistar o grande livramento.

O Eterno passou a dar-me ordens, fazendo-me avançar pela fé, sem saber como tal livramento haveria de realizar-se.

O primeiro passo foi a convocação de todos os pastores que, deixando seus rebanhos, dirigiram-se ao Carvalho de Mambré, trazendo seus instrumentos pastoris. Eram ao todo 600 pastores.

Ordenei que esvaziassem os jarros, colocando neles o azeite da botija.

Depois de cumprirem esta ordem, pedi que tomassem cada um a lã de uma ovelha, misturando-a com o azeito dos jarros.

Depois destas coisas, Yahwéh mandou-me tomar um grande vaso de barro, enchendo-o até a metade com o azeite das oliveiras

Ao concluir esta tarefa, o Senhor mandou-me fazer um longo pavio de lã, enfiando a metade dentro do azeite e deixando a outra parte presa acima do vaso.

Depois destas coisas, Yahwéh ordenou-me acender o pavio, com o fogo do altar. Ao aproximar-me do fogo sagrado que ainda ardia sobre o sacrifício da manhã, uma pequena fagulha saltou para o pavio, e pouco a pouco foi-se alimentando do azeite, até tornar-se numa labareda que podia ser vista de longe.

 

Capitulo II

Com o vaso nos ombros, comecei uma caminhada rumo às cidades da planície, sendo acompanhado pelos pastores. Logo começaram a surgir escarnecedores que, ao verem-me com aquele vaso incandescente em pleno dia, e passaram a dizer que eu ficara louco. Ao espalhar esta notícia, muitos vieram ao meu encontro, trazendo conselhos para que eu abandonasse aquele vaso que seria capaz de destruir toda a minha reputação e dignidade diante de todos eles.

 

 

 

Quando eu lhes falei sobre os exércitos e sobre minha missão juntamente com os pastores, eles concluíram que de fato eu ficara louco. Tentaram tirar-me o vaso pela força, mas agarrando-me a ele, impedi que o tirassem de mim.

Envergonhados diante de tudo isto, muitos pastores começaram a se afastar: alguns retornaram para suas tendas enquanto outros uniram-se àqueles que riam de meu comportamento estranho.

Sentindo-me sozinho com aquele pesado vaso sobre os ombros, comecei a angustiar-me. Ansiava encontrar alguém com quem pudesse compartilhar minha experiência, mas todos lançavam-me olhares de reprovação.

Lembrei-me de Sara, minha amada esposa; Em obediência a Voz de Yahwéh havíamos trilhado por muitos caminhos, estando Sara sempre ao meu lado, animando-me a prosseguir mesmo nos momentos mais difíceis.Com certeza Sara me traria consolo e forças para continuar firme, conduzindo o vaso da salvação.

Enquanto avançava pelo caminho pensando em Sara, a vi no meio da multidão. Ao dirigir-me a ela, fiquei surpreso e desalentado ao ver em seus olhos o mesmo menosprezo daqueles que me chamavam de louco por conduzir em pleno dia chama que se desprendera do altar.

Lembrando-me da ordem de Yahwéh de que teria de libertar meu sobrinho Ló, fui andando sozinho pelo caminho; Ao colocar-me no lugar daqueles que me achavam louco, eu dava-lhes razão, pois em condições normais, nenhuma pessoa coerente sai de casa, sem rumo definido, levando em pleno dia um vaso com uma labareda nas costas, afirmando estar marchando contra o exércitos de cinco reis, para libertar um parente. Realmente da a entender que se trata da manifestação de uma grande loucura. Mesmo assim, a despeito de todas as humilhações e palavras que falavam contra mim, eu avançava rumo ao vale desconhecido.

Toda aquela zombaria foi finalmente diminuindo, à medida em que eu me distanciava do Carvalho de Mambré.

Começaram a sobrevir ao meu coração muitas dúvidas quanto ao meu futuro. Ficava às vezes aflito com o pensamento de toda a minha experiência, desde a convocação dos pastores até aquele momento, poderia ser, de fato, demonstrações de uma loucura.

Cheio de dúvidas, comecei a pensar na possibilidade abandonar à beira do caminho o vaso, retornando para junto do altar. Esses eram os conselhos alguns pastores e amigos que, condoídos de minha solidão, ainda vinham ao meu encontro, aconselhando-me a retornar; Ali, diziam, eu poderia conquistar novamente a confiança dos pastores, voltando a ser, quem sabe, até mesmo um sacerdote honrado como outrora. Sobre o altar, diziam, havia um fogo muito maior que aquele que eu carregava nos ombros.

Estava a ponto de retornar, quando Sara veio ao meu encontro, contando-me sobre o desprezo que muitos pastores lançavam contra mim; Ela estava consternada, pois toda aquela desonra, recaía também sobre ela, ao ponto de não sentir mais desejo de permanecer junto daquele altar.

Depois de alertar-me, Sara passou a falar-me de um plano: Poderíamos, quem sabe, nos mudar para uma cidade distante, onde esqueceríamos todo aquele vexame.

Esquecendo-me da voz que mandara-me seguir rumo à planície, respondi para minha esposa que eu estaria disposto a acompanhá-la para qualquer lugar, se ela permitisse que eu levasse o vaso. Ele seria o nosso altar, aquecendo e iluminando nossas noites com sua chama.

Ao ouvir sobre o vaso, Sara voltou a irar-se, afirmando não entender minha teimosia em continuar levando sobre os ombros aquele símbolo de vergonha e desprezo. Depois dizer-me tais palavras, voltou-me as costas, retornando para a tenda.

 

Capitulo III

 

 

 

Angustiado em não poder realizar o sonho de Sara, prossegui rumo ao futuro incerto, sendo orientado unicamente pela chama, cujo brilho aumentava à medida em que as trevas adensavam-se. Comecei então a meditar sobre aquela chama que acompanhava-me com seu brilho e calor.

Eu estava acostumado a ver o Fogo Sagrado entronizado sobre um grande o altar de pedras, em meio aos louvores de muitos pastores, dentre os quais eu me destacava como mestre e sacerdote. Naqueles momentos de adoração, eu me vestia com os melhores mantos, e fazia questão de realizar o sacrifício, somente quando todos os meus servos estivessem reunidos ao meu redor, para que ouvissem meus conselhos e advertências. Na hora do sacrifício, eu erguia para o céu minha espada desembainhada, e, com palavras amedrontadoras, proclamava a grandeza do Senhor dos Exércitos, o Deus Todo Poderoso que domina sobre os Céus e a Terra. Vibrando a espada no ar num movimento ameaçador, eu representava diante de meus pastores, a imagem de um Deus severo, que está sempre pronto a revidar qualquer afronta. Depois dessa demonstração de soberania e poder, eu pegava uma ovelha das mãos de um pastor, e a amarrava sobre o altar. Para que ficasse bem patente a ira divina, eu pisava sobre o seu pescoço, golpeando-a severamente, até vê-la perecer. Naquele momento eu descia do altar, e ficava esperando pelo Fogo Sagrado que jamais deixou de manifestar-se sobre o sacrifício.

Eu aprendera desde a infância a reverenciar o Fogo Sagrado, crendo ser ele uma revelação visível de

Yahwéh, o Grande Deus Invisível. Até então, eu o vira como um Fogo Único e Indivizível. Agora, ao transportar em humilde jarro a chama que se desprendera do Altar, meus pensamentos agitavam- se com o surgimento de um novo conceito sobre o Criador: o conceito de um Deus Sofredor que é capaz de despreender-se do Grande Yahwéh, representado pelo Fogo Sagrado, para acompanhar o pecador em sua jornada.

Arrependido, prostrei-me diante do vaso e chorei amargamente. Tinha agora consciência de que todo o zelo demonstrado junto ao Altar, tinha por finalidade a exaltação de meu orgulho, e não do amor daquele que me acompanhava pelo caminho.

Subitamente, gravou-se-me na mente a convicção de que aquela pequena chama que se desprendera do Fogo Sagrado, era uma representação do Messias, que Se desprenderia do Grande Yahwéh, para ser o Deus Conosco, companheiro em todas as nossas jornadas. Ao sobrevir-me esta convicção, a chama alegrou-se, tornando-se mais brilhante e calorosa.

Com o coração transformado, prossegui pelo caminho rumo ao vale, levando nos ombros o jarro que trouxera-me depois de tanto desprezo, a alegria de uma nova revelação sobre o caráter do Criador. Momentos difíceis começaram a surgir em minha caminhada, quando ventos frios vindos do mar salgado começaram a arremeter-se contra a pequena chama, procurando apagá-la. Eu a amparava com o meu corpo, andando muitas vezes de lado e mesmo de costas, mas sempre avançando rumo ao vale.

Ao romper a luz do dia, achei-me a um passo da planície. Comecei a encontrar pelo caminho muitos rebanhos que eram conduzidos por rudes pastores. À medida em que avançava entre eles, surgiam tumultos e confusões, pois muitas ovelhas e cabras assustavam-se com o meu vaso ardente, debandando-se por todas as partes. Isto fez com que a maioria dos pastores ficassem irritados contra minha presença em seu meio.

Sabendo que não poderia ficar retido naquele vale, prossegui em frente rumo à Sodoma. Enquanto avançava, começou a acontecer algo interessante: muitas ovelhas, meigas e submissas, começaram a acompanhar-me. Eram poucas a princípio, mas pouco a pouco seu número foi aumentando, até que passei a andar com dificuldade, devido ao grande número de ovelhas que me seguiam. Ao longe eu podia ver os pastores, enfurecidos, pela perda de suas ovelhas mais bonitas.

Ao chegar à Cidade de Sodoma, a encontrei vazia e devastada. Seguindo os rastos deixados pelos exércitos e pela multidão de cativos, fui aproximando-me cada vez mais do alvo de minha missão.

 

 

 

Ao chegar à campina de Dã, pude avistar ao longe o grande acampamento dos soldados, ao pé de um outeiro. Sem pressa, encaminhei-me para lá, conduzindo o meu novo rebanho.

Do alto do monte, pude observar o acampamento em toda a sua extensão. Havia milhares de soldados comemorando sua vitória; Enquanto isso, centenas de cativos jaziam amontoados no meio do arraial, humilhados e sem esperança. Diante desse quadro, fiquei imaginando como poderia se dar o livramento.

Minha presença despertou a curiosidade de alguns soldados que, ao ver-me com o vaso fumegante, aproximaram-se e começaram a debochar. Quando perguntaram-me sobre o motivo de minha presença naquele lugar, eu disse-lhes que viera libertar meu sobrinho Ló. Minhas palavras tornaram- se motivo de muitos gracejos em todo o acampamento; Depois disso, passaram a escarnecer de Ló. Em pouco tempo, toda aquela zombaria transformou-se em gritos de vingança, e proclamaram que, na manhã seguinte, todos os cativos seriam exterminados, começando pelo meu sobrinho.

 

Capitulo IV

Enquanto tentava imaginar o que Yahwéh poderia fazer para alcançar tão miraculoso livramento, vi surgir ao longe o vulto de pastores que se encaminhavam em minha direção, vindos de Sodoma. Pensei à princípio que fossem os pastores inimigos que vinham arrancar-me o rebanho conquistado com amor. Tal receio logo desapareceu, dando lugar a um sentimento de muita alegria, quando descobri que eram meus pastores fiéis. Ele foram se aproximando em pequenos grupos de doze, até alcançar o total de 300 pastores. Ao olhar para eles, pude notar em seus semblantes os sinais de uma grande luta espiritual que tiveram de enfrentar, para estarem do meu lado. Contaram-me da experiência de muitos companheiros que, desanimados, haviam lançado fora o azeite e a lã de seus vasos, retornando para as suas tendas. Falaram-me de como, naquela noite passada, haviam aprendido a amar a luz de meu vaso, que para eles tornara-se como uma estrela guia.

Alegrava-me com a presença de meus humildes pastores, quando vieram em nossa direção Aner, Escol e Manre, acompanhados por 15 homens armados; Eram fiéis amigos que, conhecendo os perigos que enfrentaríamos naquele vale, vieram em nosso socorro. Para que não atrapalhassem o plano divino, pedi-lhes que permanecessem escondidos até o alvorecer, quando receberiam orientações sobre como participar da missão.

Comecei a orientar os pastores, seguindo as instruções da Voz Divina que soava-me de dentro da chama: A primeira tarefa dos pastores, seria cuidar do rebanho até o anoitecer.

Ao retornarem, ordenei que amarrassem os novelos de lã embebidos em azeite, na ponta de seus bordões, colocando-os dentro dos vasos que, deveriam ser mantidos suspensos, de boca para baixo. Passei a incendiá-los com o fogo de minha labareda, até que as trezentas tochas ficaram ardendo, porém, ocultas, no interior daqueles vasos.

Ordenei à quarenta de meus corajosos pastores que, no momento indicado por um sinal que seria dado, deveriam avançar silentes para o meio do acampamento, circundando todos os cativos que jaziam amontoados no meio do arraial. Ao mesmo tempo, os 260 pastores restantes, deveriam circundar todo o acampamento, aguardando pelo sinal de quebrarem os vasos com os chifres.

Orientado pela Voz da Chama, indiquei-lhes os sinais: Quando a última tocha se apagasse no acampamento, deveriam ficar atentos, pois uma pequena lamparina seria acesa por um dos cativos. Assim que a lamparina começasse a arder, deveriam correr cada um para o seu lugar, evitando qualquer ruído, para que não fossem notados.

O sinal para quebrarem os vasos com os chifres, erguendo bem alto a tocha, era o apagar da lamparina.

Depois dessas orientações, os 260 pastores, ocultos pelas sombras da noite, se espalharam pelo vale, e ficaram esperando pelo momento de se posicionarem ao redor do acampamento; Enquanto isso, os

 

 

 

40 se posicionaram próximos à uma passagem mais vulnerável, através da qual haveriam de alcançar os cativos.

Já era alta noite quando a tocha do último soldado apagou-se, sobrevindo completa escuridão e silêncio sobre o arraial.

Entre os cativos, havia um homem naquela noite, que vivia a maior angústia de sua vida. Era o meu sobrinho que, depois de tornar-se alvo de tantos abusos e humilhações, tomara conhecimento do castigo que os aguardava pelo alvorecer.

Naquela noite, Ló tinha seus pensamentos voltados para o seu tio; Lembrava-se com arrependimento do momento em que me deixara junto ao Carvalho de Mambré, mudando-se para as campinas de Sodoma. Em seu desespero, sentiu desejo de rever minha face e pedir-me perdão por ter-se afastado de mim. Justamente naquele momento, Ló foi atraído pelo brilho de uma tocha que ardia sobre o outeiro. Ao fitar o brilho, imaginou estar tendo uma visão, pois o mesmo revelava-lhe a face de seu querido tio.

Querendo mostrar-me o seu rosto, Ló apalpou em meio às trevas, até encontrar uma pequena lamparina que trouxera em seu alforje. Frustrado, percebeu que não havia nela nenhum azeite. Concluiu que aquela lâmpada apagada e seca, era um símbolo de sua vida vazia e sem fé.

Sem desviar os olhos de meu rosto iluminado pela chama do vaso, num desesperado gesto de fé, Ló apalpou o pavio de sua lamparina, descobrindo haver nele um restinho de azeite. Curvando-se, passou a ferir as pedras do fogo, até que uma faísca saltou para o pavio. Sem que soubesse, Ló estava comandando com seus gestos, os passos para um grande livramento.

Os trezentos pastores ao verem o tênue brilho da lamparina, encaminharam-se rapidamente para os seus postos, e, ficaram aguardando pelo apagar da pequena chama.

Desde o momento em que Ló erguera-se com sua diminuta chama, eu fiquei olhando para os seus olhos que fitavam os meus. Vi que sua face trazia sinais de indizível angústia e maus tratos. Mesmo assim, pude ler em seus olhos azuis, que a esperança e a fé ainda não o abandonara.

O foguinho da lamparina de Ló, contudo, não resistiria por muito tempo. Era necessário que se apagasse, para sinalizar a grande vitória.

Quando a escuridão voltou a cobrir a face de Ló, meus trezentos pastores arremeteram seus chifres contra os vasos que mantinham ocultas as tochas ardendo. Um grande ruído, como de cavalaria em combate ecoou por todas as partes, enquanto as tochas eram suspensas. Os trezentos chifres usados até então para conduzir o rebanho, soavam agora como trombetas de conquistadores.

Todo o acampamento despertou-se num único salto, e, sem saber como escapar de tão terrível investida que partia de fora e de dentro, os soldados começaram a lutar entre si, enquanto meus pastores permaneciam em seus lugares, fazendo soar os chifres.

Os cativos, ficaram muito espantados à princípio, mas pouco a pouco foram tomando consciência do grande livramento que estava se operando em seu favor.

Quando amanheceu, revelou-se aos nossos olhos um cenário de completa destruição; Todo o arraial estava coberto por milhares de corpos rasgados pelas próprias espadas e lanças. Somente uns poucos conseguiram fugir daquele acampamento de morte, mas foram perseguidos pelos meus 18 aliados que estavam armados, sendo alcançados em Hobá, que fica à esquerda de Damasco. Enquanto isso, os cativos, agora libertos, recuperavam todas as riquezas que haviam sido saqueadas pelos inimigos.

 

Capitulo V

Do cimo do outeiro, enquanto eu vibrava com a alegria dos cativos naquela manhã de liberdade, ouvi a Voz de Yahwéh falando-me do meio da chama:

– Este livramento que hoje se concretiza ,representa o livramento que hei de operar nos últimos dias, salvando os remanescentes de teus filhos, do cerco de numerosas nações que se aliarão a Gog com o

 

 

 

propósito de destruí-los. Naquele dia em que triunfarem sobre o meu povo, a minha indignação será mui grande, e contenderei com ele por meio da peste e do sangue; chuva inundante, grandes pedras de saraiva, fogo e enxofre farei cair sobre ele, sobre as suas tropas e sobre os muitos povos que estiverem com ele. Assim, eu me engrandecerei, vindicarei a minha santidade e me darei a conhecer aos olhos de muitas nações; e saberão que eu sou o Senhor. E sobre a casa de Daví e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o Espírito de Graça e de Súplicas; olharão para Mim a quem traspassaram, pranteá-lo-ão como quem pranteia por um unigênito e chorarão por ele comos e chora amargamente pelo primogênito. Naquele dia, haverá uma fonte aberta para a casa de Daví e para os habitantes de Jerusalém, para remover o pecado e a impureza” (Ezequiel 38; Zacarias 12,13).

Consciente da importância histórica daquele dia de livramento, tomei um calendário e, fiquei surpreso, pois era Rosh Hashaná, o dia das trombetas. Aquele era o primeiro dia de um novo ano; Dez dias depois viria o Yom Kipur, o dia da purificação dos pecados; No dia 15, teria lugar a festa de Sukot, a alegre festa das colheitas do outono.

A chama que para mim tornara-se numa representação do Messias Prometido, apagou-se no momento em que desci ao encontro dos pastores e dos muitos cativos agora libertos. Cheios de alegria e de admiração, todos queriam saber como tornara-se possível tão grande livramento, somente com a utilização daquelas tochas e chifres. Falei-lhes então da importância daquele fogo que se desprendera do Altar, para libertá-los naquele vale, identificando-o com o Messias Salvador. Ao ver que todos carregavam em seus corpos e mantos a sujeira da escravidão, convidei-os a seguirem-me até ao rio Jordão, onde todos poderiam banhar-se, para purificação de seus pecados.

Somente três pessoas atenderam ao convite: Ló e suas duas filhas mais novas. Os demais, retornaram, contaminados para suas casas.

Antes de partir, o rei de Sodoma veio ao meu encontro, prometendo dar-me todas as riquezas recuperadas naquela manhã. Eu recusei sua oferta, para que jamais alguém possa dizer que eu me enriqueci com aquele saque.

Permanecemos acampados às margens do rio Jordão, nas proximidades de Jericó por doze dias. Naqueles dias de refrigério, todos ficaram livres das impurezas, deixando-as nas águas do Jordão. Este era um preparo especial para a festa de Sukot que decidimos comemorar em Salém.

Cheios de alegria, iniciamos uma caminhada ascendente rumo à cidade de Salém, inconscientes da feliz surpresa que nos aguardava. Eu seguia à frente tendo ao meu lado Ló e suas duas filhas, e atrás vinham os 300 pastores, conduzindo o grande rebanho.

À medida que avançávamos, comecei a notar que o meu vaso que se esvaziara no alvorecer, tornara- se muito pesado. Ao baixá-lo, fiquei surpreso ao descobrir dentro dele muitas pérolas de variados tamanhos e brilhos que se formaram misteriosamente.

Ao avistarmos ao longe a alva cidade, começamos a ouvir sons de uma grande festa. Acordes harmoniosos repercutiam pelos montes, enquanto avançávamos pelo caminho.

Minha curiosidade em conhecer aquela cidade e o seu jovem rei era imensa, pois da boca de muitos já ouvira sobre sua grandeza e fama. Tratava-se um reino diferente de todos os demais, onde os súditos eram treinados não no manejo de arcos e flechas, mas no domínio de instrumentos musicais. Melquisedeque, o seu jovem rei, regia a todos com um cetro muito especial : um alaúde, pelo qual pagara um preço elevado.

Enquanto crescia em mim a alegria por estar nos aproximando da Cidade do Grande Rei, vimos uma multidão vestida de linho fino, puro e resplandecente, saindo ao nosso encontro. Todos tangiam instrumentos musicais, enquanto cantavam um hino de vitória. À frente da multidão vinha um jovem tocando um alaúde, trazendo na fronte uma coroa repleta de pedras preciosas, que brilhavam sob a claridade do sol poente. Eu tive a certeza de que aquele era o tão aclamado rei de Salém.

 

 

 

Ao nos encontrarmos, ficamos surpresos com a saudação que nos fizeram; Inclinando-se diante de mim, Melquisedeque afirmou:

– Bendito és tu Abraão, servo do Deus Altíssimo, que possui os Céus e a Terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus adversários nas tuas mãos”.

 

Capitulo VI

Surpresos pela festiva recepção, fomos introduzidos na cidade, onde a beleza das mansões e jardins nos causou muita admiração. Tudo ali era puro e cheio de paz.

Fomos recebidos no palácio real, edificado sobre o monte Sião. Ali, uma nova surpresa nos aguardava:

A grande sala do trono, estava toda adornada com representações de nossa vitória sobre os inimigos. Havia no meio da sala uma mesa muito comprida, coberta por toalhas de linho fino adornadas com fios de ouro e pedras preciosas. Sobre a mesa havia 304 coroas, cada uma trazendo a inscrição do nome de um vencedor. Num gesto que novamente nos surpreendeu, Melquisedeque, tomando as coroas, começou a colocá-las na cabeça de cada um de nós, começando por Ló e suas filhas. Estávamos todos admirados pelo fato do rei de Salém conhecer-nos individualmente, e por ter preparado aquelas coroas muito antes de sermos vencedores.

Eu observava a alegria de meus companheiros coroados, quando, tomando uma coroa semelhante à sua, o rei de Salém dirigiu-se a mim com um sorriso. Ao levantá-la sobre minha cabeça, notei algo que até então não havia percebido: Suas mãos traziam cicatrizes de profundos ferimentos. Vencido por um sentimento de gratidão, prostrei-me aos seus pés e, comovido, beijei suas bondosas mãos, banhando-as com minhas lágrimas.

Ao levantar-me, perguntei-lhe o significado daquelas cicatrizes. Com um meigo sorriso, ele prometeu que iria contar-me toda a história daquele próspero reino, e do quanto lhe custou a sua paz. Depois de coroar-nos, Melquisedeque nos fez assentar ao redor da grande mesa, e passou a servir- nos pão e vinho; A partir daquele momento, passamos a honrá-lo como Sacerdote do Deus Altíssimo.

Num gesto de gratidão, tomei o vaso repleto de pérolas, e o coloquei aos pés do rei. Tomando-o nos braços, ele passou a acariciá-lo, sem atentar para o brilho das pérolas. Expressando-me a gratidão por aquela oferta, disse-me que aceitaria o vaso e, das pérolas, somente aceitaria o dízimo.

Imediatamente passei a contar as jóias, separando as mais belas para o rei. Haviam um total de 1.440 pérolas, das quais lhe entreguei 144. Ele as guardou cuidadosamente em uma caixinha feita de ouro puro, em cuja tampa havia lindos adornos marchetados de pequenas pedras preciosas.

Depois de receber o dízimo que simbolizava o grande livramento operado por Yahwéh na planície, Melquisedeque chamou para junto de si um de seus súditos que era mestre em adornos e pinturas, ordenando-lhe a honrar o vaso com uma linda gravura que retratasse o momento em que eu o ofertei.

Enquanto o jarro era pintado, Melquisedeque passou a contar-me a história de seu reino, desde sua fundação até aquele momento em que estávamos comemorando a grande vitória sobre os inimigos. Ao devolver-me o vaso, agora honrado pela mais bela gravura e inscrições que exaltavam a justiça, a humildade e o amor, o rei de Salém ordenou-me a levar comigo o vaso com aquelas pérolas. Durante seis anos eu e meus pastores deveríamos contar para todos a história daquele vaso que fora vitorioso por causa da chama do altar. A todos aqueles que, com arrependimento, aceitassem a salvação representada por sua história, deveríamos oferecer uma pérola. Ao fim dos seis anos, as pérolas acabariam; Já não haveria oportunidade de salvação. Sobreviria então o sétimo ano, no qual haveria um tempo de grande angústia e destruição, quando somente haveria proteção para aqueles

 

 

 

que possuíssem as pérolas. Por essa ocasião, as cidades da planície seriam totalmente destruídas pelo fogo do juízo, e os demais povos impenitentes, seriam dizimados por grandes pragas.

 

Capitulo VII

Sobre o triunfo que acabávamos de obter sobre numerosos exércitos, Melquisedeque, depois de repetir-me as palavras ditas pelo Messias, deixou um sinal que seria importante para aqueles que vivessem por ocasião do grande livramento de Israel. Afirmou que, multiplicando as 144 pérolas do dízimo pelo número de colunas de seu palácio, encontraria o ano que traria em sua consumação o grande livramento de Israel. Movido pela curiosidade, comecei imediatamente a contar as colunas; Eram 40 colunas de mármore, adornadas com pedras preciosas.

Ao retornar ao rei com o resultado dos cálculos, ele passou a fazer predições sobre os grandes acontecimentos que teriam lugar ao fim daquele ano:

– Ao chegar a plenitude dos tempos, todos os esforços humanos em busca da paz se frustrarão. Naquele tempo, numerosos nações se aliarão contra o reino de Salém; Haverá uma batalha como nunca houve, e toda a terra será castigada pelo fogo; Depois de esgotarem todos os recursos em sua defesa, Israel verá, com desespero, incontáveis inimigos marchando contra eles, com o propósito de eliminá-los. Como Ló em sua noite de angustia, eles verão morrer sua esperança, quando, em Rosh Hashanah, ouvir-se-á em meio às ruínas de Salém, os acordes harmoniosos de um alaúde, tocado por um beduíno da tribo de Taamireh; Sua música fará renascer a fé e a esperança em um mundo melhor, onde nação não se levantará contra nação; onde as lágrimas, a dor e a morte não mais existirão.

Depois de consolar os aflitos com os acordes de seu alaúde, o beduíno tomará o vaso com os pergaminhos da Tumba de Davi, e o levará sobre os ombros. Naquele dia, estarão os seus pés sobre o Monte das Oliveiras, e, ao clamar pelo livramento de Israel, haverá um forte terremoto que rachará

o monte pela metade, surgindo do oriente para o ocidente um enorme vale. Naquele dia, toda a terra de Israel será fortemente sacudida, sobrevindo total destruição para todos os exércitos inimigos; Haverá, contudo, salvação para todos aqueles que, com arrependimento, refugiarem-se sob as asas do Eterno, lançando para longe de si os instrumentos de violência.

Toda a humanidade testemunhará, com espanto, as cenas de livramento dos filhos de Israel. Naquele dia, muitos povos e poderosas nações se posicionarão ao lado de Yahwéh dos Exércitos; Multidões se aproximarão dos judeus da diáspora, dizendo: Nós iremos convosco, porque sabemos que o Eterno está do vosso lado.

O Yom Kipur que seguirá ao livramento, será um dia de purificação das impurezas de todos aqueles que aceitarem a salvação; Naquele dia acabará a cegueira dos filhos de Jacó, e olharão para Aquele a quem traspassaram, e chorarão amargamente por ele como se chora por um filho unigênito. (Zacarias 12,13).

Na festa de Sukot (colheitas) será derramado o Espírito de Deus sobre toda a carne; E há de ser que, todo aquele que invocar o nome de Yahwéh, será salvo, recebendo uma pérola do vaso (Joel 3).

No decorrer dos dias de Sukot, chuvas de bênçãos cairão sobre o imenso vale, fazendo surgir à vista de todos os povos, em toda a Terra Santa, um paraíso repleto de alegria e paz.

Naquele dia os eleitos de Deus compreenderão as palavras do Livro:

“Ouvi-me, vós, que estais à procura da justiça, vós que buscais a Yahwéh. Olhai para a rocha da qual fostes cavados, para a caverna da qual fostes tirados. Olhai para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deu a luz. Ele estava só quando o chamei, mas eu o abençoei e o multipliquei. Yahwéh consolou a Sião, consolou todas as suas ruínas; ele transformará o seu deserto em um Éden e as suas estepes em um jardim. Nela encontrarão gozo e alegria, cânticos de ações de graças e som de música”(Isaías 51:1-3).

 

 

 

Naquele dia os remidos olharão para o humilde beduíno que libertou da caverna o vaso de Abraão, e cantarão com alegria:

“Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, do que proclama boas novas e anuncia a salvação, do que diz a Sião: O teu Deus reina! Porque Yahwéh consolou o seu povo, ele redimiu Jerusalém. Yahwéh descobriu o seu braço santo aos olhos de todas as nações, e todas as extremidades da terra viram a salvação do nosso Deus” (Isaías 52:7-10).

Durante seis anos, toda a humanidade, iluminada pela maior revelação do amor e da justiça de Yahwéh, terá oportunidade de romper com o império do pecado, unindo-se aos filhos de Israel em sua marcha de purificação e restauração do reino da luz..

Então acontecerá que, todos os sobreviventes das nações que marcharam contra Jerusalém, subirão, ano após ano, para prostrar-se diante do rei Yahwéh dos Exércitos, e para celebrar a festa de Sukot. E acontecerá que aquele das famílias da Terra que não subir e não vier, haverá contra ele a praga com que Yahwéh ferirá as nações que não subirem para celebrar a festa de Sukot (Zacarias 14: 16- 18).

Naqueles anos de oportunidade, soará por todas as partes do mundo o último convite de misericórdia, num apelo para que todos os pecadores se arrependam e se unam numa eterna aliança com Yahwéh, dizendo:

“Assim diz Yahwéh: Observai o direito e praticai a justiça, porque a minha salvação está prestes a chegar e a minha justiça, a manifestar-se. Bem-aventurado o homem que assim procede, o filho do homem que nisto se firma, que guarda o sábado e não o profana e que guarda sua mão de praticar o mal. Não diga o estrangeiro que se entregou a Yahwéh: – Naturalmente Yahwéh vai excluir-me do seu povo, nem diga o eunuco: -Não há dúvida, eu não passo de uma árvore seca”. Pois assim diz Yahwéh aos eunucos que guardam os meus sábados e optam por aquilo que é a minha vontade, permanecendo fiéis à minha aliança: Hei de dar-lhes, na minha casa e dentro dos meus muros, um monumento e um nome mais precioso do que teriam com filhos e filhas; hei de dar-lhes um eterno nome, que não será extirpado. E, quanto aos estrangeiros que se entregarem a Yahwéh para servi-lo, sim, para amar o nome de Yahwéh e tornarem-se servos seus, a saber, todos os que se abstêm de profanar o sábado e que se mantêm fiéis à minha aliança, trá-los-ei ao meu santo monte e os cobrirei de alegria na minha casa de oração. Os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão bem aceitos no meu altar. Com efeito, a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos” (Isaías 56: 1 – 7).

Nos seis anos de oportunidade, Samael, o grande enganador, num gesto de desespero, empregará todos os recursos possíveis para impedir a realização de Yahwéh através de Seu povo. Em oposição à santificação do sábado que é o sinal da aliança entre Yahwéh e seus escolhidos, numerosas religiões, aliadas a governantes ímpios, imporá outro dia para o culto, não podendo comprar nem vender todos aqueles que mantiverem-se fiéis à aliança de Yahwéh (Ver Ezequiel 20:20;Apocalípse 13).Naqueles anos de provas, os eleitos de Deus sobreviverão mediante o cuidado dos anjos, que os conduzirá para distante das populosas cidades que serão castigadas pelas sete últimas pragas que cairão sobre os impenitentes ao fim dos seis anos( Apocalipse 15).

Durante os seis anos da colheita final, o Messias edificará uma Nova e Eterna Jerusalém, adornando- a com os atos de justiça de Seus escolhidos. (Êxodo 25: 1 – 8) Isaías 60: 10 -22 ; Zacarias 6: 12 – 15; Apocalipse 3:12) Essa Nova Jerusalém somente será revelada ao completar-se toda a justiça divina, ao fim do sétimo ano, período em que os eleitos de Deus terão como desafio viver uma vida sem culpas, pois qualquer ato de rebeldia naquele tempo, ficaria sem expiação, significando eterna vergonha para o Criador.

Ao completarem-se os sete anos, ,o Messias aparecerá nas nuvens do céu, acompanhado por todas as hostes celestes; Ao tocar Sua trombeta naquele grande Rosh Hashanáh, os fiéis falecidos,

 

 

 

ressuscitarão revestidos de glória; os vivos vitoriosos, serão transformados num abrir e fechar de olhos , recebendo corpos perfeitos; Juntos, todos os remidos serão arrebatados para a Nova Jerusalém, numa viagem inesquecível que começará no primeiro dia da festa de Sukot; Depois de sete dias de feliz ascensão, chegarão à Cidade Santa para comemorarem, diante do trono, o oitavo dia da festa. Como que a sonhar, os resgatados do Senhor entrarão na Cidade Santa, encontrando ao seu norte, o jardim do Éden, no meio do qual eleva-se o monte Sião, o lugar do trono de Yahwéh. Coroados pelo Messias, os remidos entoarão o cântico da vitória, fazendo vibrar por todo o espaço os acordes de suas harpas, alaúdes e flautas.

 

Capitulo VIII

Depois de proferir todas essas predições, Melquisedeque disse-me que toda a experiência que estávamos vivendo, era prefigurativa. Para que todo o drama se consumasse, tínhamos ainda diante de nós acontecimentos importantes: Primeiramente, eu deveria retornar ao Carvalho de Mambré juntamente com os meus pastores, para proclamar a todos a salvação representada pela história daquele vaso. Todo aquele que, com arrependimento, aceitasse o Messias revelado, teria seus pecados perdoados, recebendo uma pérola. Ao fim de seis anos, ao chegar à véspera de Rosh Hashaná, as pérolas acabariam, não havendo mais oportunidade de salvação. Por aquele tempo, o fogo do juízo cairia sobre as cidades de Sodoma e Gomorra, havendo terríveis pragas sobre todos os infiéis.

Ao ouvir tais palavras do rei de Salém, sobreveio-me grande angústia, ao lembrar-me dos últimos passos de Sara; Eu temia que ela, em sua incredulidade, não aceitasse uma pérola. Se isto acontecesse, os meus lindos sonhos ruiriam por terra, pois não conseguiria ser feliz em sua ausência. Lendo nos meus olhos a angústia, Melquisedeque consolou-me com uma promessa:

– Abraão, daqui a seis anos Yahwéh te visitará em sua tenda, e sua esposa será curada de sua aridez. Ela se converterá e lhe dará um filho que se chamará Isaque.

Ao findar a festa de Sukot, retornamos às nossas tendas junto ao Carvalho de Mambré. À medida em que íamos avançando pelo caminho, muitas pessoas nos cercavam, admirados pela beleza do vaso repleto de pérolas; A todos contávamos a história de sua chama redentora, e oferecíamos as pérolas a todos que crendo, aceitavam a salvação.

Quando chegamos ao Carvalho de Mambré, uma multidão de pessoas no esperava; Muitos tinham ouvido falar do miraculoso livramento operado através daquele vaso que fora alvo de tanto menosprezo. Agora, todos estavam emudecidos ao vê-lo glorificado.

Juntamente com os meus pastores, continuamos a proclamar o infinito amor de Yahwéh revelado pela chama. O número daqueles que procuravam pelas pérolas foi aumentando, dia após dia, e todos éramos felizes.

Os dias, os meses e anos foram-se passando, e a quantidade de pérolas foram diminuindo dentro do vaso. Estávamos vivendo agora os últimos meses do sexto ano, que era o último da oportunidade. À medida em que os dias se passavam, aumentava em meu coração uma preocupação e uma angústia, pois Sara até então não tomara interesse em apossar-se de sua pérola, apesar de meus constantes rogos.

Naqueles momentos de aflição em que clamava a Deus pela salvação de Sara, meu único consolo eram as últimas palavras do rei de Salém, de que ao fim dos seis anos ela seria transformada.

Vivíamos agora os últimos dias do sexto ano; A consciência de que o tempo estava esgotando, fazia com que muitas pessoas me procurassem de manhã até à noite, para apossarem-se das pérolas da salvação.Com o coração ferido por indizível aflição, eu insistia com Sara, procurando convencê-la de sua necessidade em tomar, o quanto antes, uma pérola, pois as mesmas estavam ficando a cada

 

 

 

dia mais escassas. Sem atentar para a minha angústia, Sara desdenhava de meus apelos, afirmando que aquelas pérolas não tinham nenhum significado para ela.

 

Capitulo IX

Depois de uma noite de vigília em que, desesperadamente, procurei convencer minha amada a apossar-se se sua pérola, aceitando a salvação representada por aquele vaso, vi o sol surgir trazendo a luz do último dia – véspera de Rosh Hashaná. Ao olhar para dentro do vaso naquela manhã, vi que restavam apenas três pérolas. Ao admirar-lhes o brilho, comecei a imaginar que a mais brilhante seria para o meu filho prometido, a de brilho intermediário seria a de Sara, e a última seria a minha. Esse pensamento trouxe-me alívio e esperança; Mas, ao mesmo tempo, comecei a preocupar-me com a possibilidade de chegar pessoas procurando por elas; Se viessem, eu não poderia negar-lhes o direito à elas.

Tomado por essa preocupação, permaneci sentado sob o Carvalho de Mambré. Na viração do dia, sobreveio-me um grande estremecimento quando vi ao longe três peregrinos que caminhavam rumo à nossa tenda. Comecei a clamar a Deus que eles mudassem de rumo, mas meus clamores não foram atendidos. Dominado por uma grande amargura, corri até eles, e, depois de prostrar-me, convidei-os para a sombra.

Tomando uma bacia com água, passei a lavar-lhes os pés, limpando-os da poeira do caminho. Ao ver os pés feridos e calejados daqueles homens, senti compaixão por eles; Compreendi que haviam vindo de muito longe, enfrentado perigos e desafios, com o propósito de pegarem em tempo as pérolas. Vi que eles eram muito mais merecedores do que eu, Sara e nosso filho prometido.

Ao lavar os pés do terceiro, meu coração que até então estava aflito, encheu-se de paz e alegria; Imaginava naquele momento, quão terrível seria se aquele terceiro peregrino, não houvesse se unido aos dois primeiros naquela caminhada; Nesse caso eu seria obrigado a tomar da última pérola, subindo sem minha amada à Salém. Se eu tivesse de passar por essa experiência, a pérola que simboliza a alegria da salvação, se tornaria para mim num símbolo de solidão e tristeza, pois a vida longe do carinho de Sara, seria para mim o maior castigo, como a própria morte.

Depois de lavar-lhes os pés, comecei a servir-lhes o alimento que foi especialmente preparado para eles. Enquanto os servia em silêncio, eu ficava esperando pelo momento em que eles me perguntariam pelas pérolas. Mas sem revelar nenhuma pressa, eles falavam sobre a longa caminhada que fizeram, sobre as cidades por onde haviam passado. Eu perguntei-lhes se conheciam Salém; Eles responderam-me afirmativamente, acrescentando que naqueles seis anos, muitas obras haviam sido realizadas naquela cidade, em preparação para uma grande festa que estava para realizar-se dentro de mais um ano, por ocasião de Sukot.

As palavras daquele terceiro peregrino, o mais falante dos três, começaram a trazer-me, misteriosamente, um sentimento de esperança. Ao olhar para os seus olhos azuis, vi que ele se parecia com Melquisedeque.

Lembrava-me da última promessa feita pelo rei de Salém, quando o terceiro peregrino perguntou-me com um sorriso:

Ao ouvir as palavras do visitante, corri para dentro da tenda afim de chamar minha esposa, para que ouvisse as palavras daquele peregrino.

 

 

 

Ao vê-la, o peregrino perguntou-lhe:

Tendo feito esta revelação, o peregrino estendeu Suas mãos sobre a cabeça de Sara para abençoá-la; Somente então vi que elas estavam marcadas por cicatrizes semelhantes às do rei de Salém.

O peregrino, com muita ternura, começou a falar ao coração de minha amada, resgatando-a de sua caverna de incredulidade:

Com a vida transformada pelo amor de Yahwéh, Sara prostrou-se agradecida aos pés daquele peregrino que a salvara no último momento de oportunidade. Quando a vi prostrar-se submissa, meu coração por tantos anos aflito, rompeu-se em lágrimas de alegria e gratidão, e caí aos pés de meu Redentor e Rei.

Depois de consolar-nos com a certeza de nossa eterna salvação, o peregrino entregou-me a última pérola. Quando apertei-a em minhas mãos senti grande luz de alegria e paz penetrar-me todo o ser, e passei a louvar ao Eterno pela certeza de que teria para sempre ao meu lado minha querida Sara e o filho da promessa que, dentro de um ano nasceria

 

Capitulo X

Depois destas coisas, Yahwéh despediu-se de Sara e dos pastores que ali se encontravam, e convidou-me a acompanhá-los até o outeiro que fica defronte do vale. Ao chegarmos àquele lugar, o Eterno despediu-se de seus dois companheiros, enviando-os para uma missão especial em Sodoma. Do cimo do monte contemplávamos os férteis vales e florestas que, como um paraíso, estendiam-se em ambas as margens do rio Jordão, circundando as prósperas cidades, dentre as quais destacavam- se Sodoma e Gomorra.

Fora sobre aquela colina que, depois da contenda entre os meus pastores e os pastores de Ló, dei-lhe a oportunidade de escolher o rumo a seguir, pois não poderíamos permanecer juntos. Atraído pelas riquezas da campina, ele decidiu mudar-se para lá.

Ao olhar para o meu companheiro que ficara silente desde o momento em que avistamos a campina, fiquei surpreso ao vê-lo chorando. Perguntei-lhe o motivo de sua tristeza, e Ele, soluçando respondeu:

A declaração de Yahwéh trouxe-me à lembrança todos aqueles cativos que haviam sido libertos seis anos antes; Infelizmente, quase todos rejeitaram o banho da purificação, retornando imundos para suas casas; Unicamente Ló e suas filhas aceitaram a salvação, tomando posse de suas pérolas. Pensando numa possibilidade de livramento para aquele povo, perguntei ao Senhor:

 

 

 

Yahwéh disse-me que se houvesse cinqüenta justos, toda a planície seria poupada.

Continuei com minhas indagações até chegar ao número dez. Yahwéh disse-me que se houvesse 10 justos naquelas cidades, toda a planície seria poupada.

Torturado por uma indizível agonia de espírito, Yahwéh voltou a chorar amargamente, enquanto com voz embargada, pronunciava um triste lamento:

Curvando-me ao lado de meu companheiro sofredor, uni-me a Ele na lamentação. Naquele momento de dor, tive a certeza de que Melquisedeque também sofria por todos aqueles que haviam trocaram o amor e a paz de Salém, pelas ilusões daquele vale de destruição.

Depois de um longo pranto, Yahwéh consolou-me, com a revelação de os seus dois companheiros, encontravam-se naquele momento em Sodoma, com a missão de salvar Ló e suas filhas, livrando-os da morte. Suas palavras trouxeram-me grande alívio, e prostrei-me agradecido aos seus pés.

 

Capitulo XI

Antes de partir, Yahwéh encarregou-me de uma missão, dizendo:

Naquela mesma tarde, em obediência às ordens de Yahwéh, comecei a registrar a história vivida por mim e por meus pastores, desde o momento em que parti rumo ao vale, levando sobre as costas o vaso com sua labareda.

No dia seguinte, o sol já ia alto, quando, ao mencionar a cidade de Sodoma no manuscrito, lembrei- me que aquele era o dia de sua destruição.Com o coração acelerado, corri para lá e fiquei espantado com o cenário que estendeu-se diante de meus olhos: Em lugar daquele vale fértil, semelhante a um paraíso, havia um deserto fumegante, sem nenhuma vida; No lugar das cidades de Sodoma e Gomorra, havia uma profunda cratera, para onde as águas do mar salgado escorriam.

Abalado ante essa visão de destruição, retornei à tenda com o coração entristecido . A lembrança de tantas pessoas que, por rejeitarem o perdão divino, haviam sido consumidas pelo fogo, deixava-me profundamente abalado. Nos dias seguintes, não encontrei forças para escrever; Retornei outras vezes ao outeiro, com a esperança de que tudo aquilo fosse um pesadelo, mas em lugar do vale fértil eu somente conseguia enxergar aquele caos.

Demorou vários dias para que eu voltasse a ter ânimo para prosseguir com os escritos do rolo.

A História de Salém Capitulo I

Esta é a história de Salém segundo ouvi dos lábios de Melquisedeque por ocasião da festa de Sukot, quinze dias depois do livramento de Ló e suas filhas.

 

 

 

Tudo começou com um sonho no coração de um homem chamado Adonias; Ele possuía de muitas riquezas, mas a nada prezava mais que a justiça e a paz que nascem da sabedoria e do amor.

Cansado com as injustiças que predominavam por toda a terra de Canaã, Adonias resolveu edificar um reino que fosse regido por leis de amor e de justiça. O nome da capital desse reino seria Salém, a Cidade da Paz.

Os súditos de Salém não empunhariam arcos e flechas, mas seriam treinados na arte musical; Cada habitante de Salém teria sempre ao alcance de suas mãos um instrumento musical, para expressar por meio dele a paz e a alegria daquele novo reino. Juntos, formariam uma poderosa orquestra na luta contra a desarmonia que nasce do orgulho e do egoísmo.

O primeiro passo de Adonias para a concretização de seu plano, foi elaborar as leis do novo reino, as quais ele as escreveu em um pergaminho. Os súditos de Salém não poderiam mentir, furtar, odiar, nem matar seus semelhantes. O orgulho e o egoísmo eram apontados como causa de todo o mal, portanto, não poderiam existir naquele lugar de paz..

As leis do pergaminho requeriam a prática da humildade, da sinceridade, da amizade, e, acima de tudo, do amor que é a maior de todas as virtudes.

Depois de registrar no pergaminho as leis que regeriam aquele reino, Adonias passou a arquitetar Salém. Seria uma cidade a princípio pequena, com habitações para mil e duzentas pessoas. Como lugar de sua edificação, foi escolhida uma região alta de Canaã, ao ocidente do Monte das Oliveiras. Em pouco tempo, a realização de Adonias começou a atrair pessoas de todas as partes que, de perto e de longe, vinham para conhecerem os palácios e as mansões que estavam sendo edificados. Admirados ante a beleza daquela cidade tão alva, os visitantes perguntavam sobre quem seriam os seus moradores. Adonias mostrava-lhes o pergaminho, dizendo que Salém destinava-se aos limpos de coração – aqueles que estivessem dispostos a obedecerem suas leis.

 

Capitulo II

A edificação da cidade foi finalmente concluída e Salém revelou-se formosa como uma noiva adornada, à espera de seu esposo.

Assentado em seu trono, Adonias examinava agora os numerosos pretendentes a súditos que chegavam de todas as partes. Aqueles que, prometendo fidelidade às leis, eram aprovados, recebiam três dotes do rei: o direito à uma mansão, vestes de linho fino e um instrumento musical no qual deveriam praticar.

A cidade ficou finalmente repleta de moradores. Cheio de alegria, Adonias convocou a todos para a festa de inauguração de Salém, no decorrer da qual proclamou um decreto que determinaria o futuro daquele reino, dizendo:

As palavras do rei levou a todos a um profundo exame de coração, e alegraram-se com a certeza de que alcançariam vitória sobre todo o orgulho e egoísmo, que são as raízes de todos os males.

Adonias tinha um único filho a quem dera o nome de Melquisedeque. A beleza, ternura e sabedoria desse filho amado, haviam sido sua inspiração para a edificação fundação de seu reino.

Melquisedeque tinha doze anos de idade, quando Salém foi inaugurada. Era plano de Adonias coroá-lo rei sobre os súditos aprovados, ao fim dos seis anos. Este plano, o manteria em segredo até o momento devido.

O príncipe, com suas virtudes e simpatia, tornou-se logo muito querido de todos em Salém. Ele tinha sempre nos lábios um sorriso e uma palavra de carinho. Apreciava estar junto aos súditos em seus

 

 

 

lares, recitando-lhes as leis do pergaminho em forma de lindas canções que vivia a compor. Sua presença trazia ao ambiente uma atmosfera de felicidade e paz. Esse amado príncipe possuía, de fato, todas as virtudes necessárias para ser rei de uma Salém vitoriosa.

Adonias edificara uma mansão especial junto ao palácio, com o propósito de ofertá-la ao súdito cuja vida expressasse mais perfeitamente as leis do pergaminho. Diariamente ele observava os moradores, procurando entre eles essa pessoa a quem desejava honrar.

Passeava pelas alamedas de Salém, quando, por entre o trinar de pássaros, Adonias ouviu uma voz semelhante a de seu filho. Ao voltar-se para ver quem era, encontrou um belo jovem que cantarolava uma canção. Ao contemplar em sua face o brilho da sabedoria e da pureza, Adonias alegrou-se por haver encontrado aquele a quem poderia honrar. Aquele jovem, que era uma cópia fiel do príncipe, chamava-se Samael.

Colocando-lhe um anel no dedo, o rei conduziu-o ao palácio, onde, recebido por Melquisedeque que ofereceu-lhe muitos presentes, entre os quais o direito de estar sempre ao seu lado.

Adonias preparou um grande banquete em honra a Samael, para o qual todos foram convidados. Ao contemplá-lo ao lado do rei, os súditos o aclamaram com alegria, acreditando ser o próprio príncipe. Exaltavam com júbilo as virtudes daquele formoso jovem, quando revelou-se Melquisedeque, posicionando-se com um sorriso à direita de seu pai.

No banquete, Samael foi honrado por todos. Realmente ele era digno de residir na mansão do monte, pois havia nele um perfeito reflexo das virtudes que coroavam o amado príncipe.

 

Capitulo III

Salém crescia em felicidade e paz.Com alegria, os súditos reuniam-se a cada dia ao amanhecer para ouvirem, cantarem e tocarem as sublimes composições de Melquisedeque, que inspiravam atos de bondade e paz.

Entre as amizades nascidas e fortalecidas em virtude da música harmoniosa, sobressaia aquela que unia o príncipe a Samael. Desde que passara a residir na mansão do monte, Samael tornara-se seu companheiro constante. Passavam longas horas juntos, meditando sobre as leis do pergaminho.Com admiração, o súdito honrado via o filho de Adonias transformar aquelas leis em lindas canções. As doces melodias nasciam dos seus lábios como o perfume de uma flor.

Consciente da importância da música na preservação da harmonia e paz em Salém, o príncipe, além do canto, passou a dedicar-se à música instrumental, sendo o seu instrumento preferido o alaúde. Era por meio desse instrumento que conseguia expressar com maior perfeição a riqueza de seu íntimo. Dos seis anos de prova, cinco, finalmente, passaram. Adonias, feliz por ver que até ali todos os habitantes de Salém haviam permanecido leais aos princípios contidos no pergaminho, convocou-os para um banquete, no qual faria importantes revelações.

Tendo tomado seus lugares diante do trono, os súditos, com alegria uniram as vozes entoando os cânticos da paz, sendo regidos por Samael.

Depois de ouvi-los, o rei, emocionado, dirigiu-se a seu filho, abraçando-o em meio aos aplausos da multidão agradecida. Todos reconheciam que a paz e a alegria em Salém, eram em grande medida devidas ao amor e dedicação do querido príncipe, que era o autor daquelas doces canções.

Naquele momento de reconhecimento e gratidão, Adonias revelou os seus planos mantidos até então em segredo.Com voz pausada, disse-lhes:

Tendo dito estas palavras, o rei acrescentou com solenidade:

 

 

 

-Um ano de prova ainda resta, ao fim do qual sereis examinados. Permanecendo fiéis como até aqui, sereis honrados confirmados como súditos deste reino de paz. Contudo, se alguém for achado em falta, será banido, ainda que este julgamento nos traga muita tristeza e sofrimento.

As palavras do rei levaram os súditos a uma profunda reflexão. Todos, examinando-se, indagavam reverentes: – Estaremos aprovados?!

Certos de que seriam vitoriosos, pois amavam Salém e suas leis, uniram as vozes num cântico expressivo de fidelidade. Ao terminarem o cântico, Adonias revelou-lhes seu grande segredo:

A revelação do rei foi aclamada por todos com muito júbilo. Adonias, contudo, ainda não lhes revelara todo o seu plano, por isso pedindo-lhes silêncio, prosseguiu:

Diante desta revelação que a todos sensibilizou, o príncipe prostrando-se aos pés de seu pai, chorou motivado por muita alegria. Enquanto isto, todos o aplaudiam com euforia, ansiando ver o raiar desse dia em que a paz seria vitoriosa.

Adonias, chamando para junto de seu filho a Samael, concluiu dizendo:

 

Capitulo IV

Samael, ao conhecer os planos de Adonias quanto ao futuro de Salém, encheu-se de euforia. Contemplava agora risonho aquela cidade sem igual, imaginando seu futuro de glória. Considerando as palavras do rei, de que ele seria o segundo no reino, deixou ser dominado por um sentimento de exaltação. Ele, que até ali, em obediência às leis do pergaminho, vivera uma vida de humildade, começava a orgulhar-se de sua posição. Em seu devaneio sentia-se junto ao trono, tendo os súditos de Salém a seus pés, aclamando com louvores sua grandeza. Samael, totalmente dominado por esse sentimento, não dava por conta de que estava sendo conduzido para um caminho perigoso. O orgulho que o seduzira, estava gerando o egoísmo que logo se manifestaria em cobiça.

Uma semana após a revelação de Adonias, os súditos promoveram uma festa em homenagem a Melquisedeque, o futuro rei de Salém. Vendo-o aclamado por tantos louvores, Samael teve o coração tomado por um estranho sentimento de inveja, fruto do orgulho e do egoísmo. Não podia suportar o pensamento de ser deixado em segundo plano. Não era ele tão formoso e sábio quanto o príncipe?! Era quase impossível disfarçar tal sentimento de infelicidade.

Outrora, Samael encontrara indizível prazer nos momentos em que, ao lado do príncipe, recitava as leis contidas no pergaminho, que eram transformadas em lindas canções. Agora, tais momentos tornaram-se desagradáveis, pois aqueles princípios contrariavam os seus ideais. Decidiu, contudo, não revelar seus sentimentos de revolta. Suportaria o antiquado pergaminho até que, com sua autoridade, pudesse bani-lo do novo reino que seria estabelecido. Não seria ele o guardião daquelas leis? Essa “vitória” procuraria alcançar mediante sua influência e sabedoria.

Julgando poder influenciar o filho de Adonias com seus sonhos de grandeza, Samael aproximou-se dele com euforia, e passou a falar-lhe das glórias do reino vindouro, onde os dois, cobertos de honras, desfrutariam dos louvores de uma Salém vitoriosa. Seriam eles os heróis do mais perfeito reino estabelecido entre os homens.

As delirantes palavras do súdito honrado trouxeram preocupação e tristeza ao coração do jovem príncipe, pois não refletiam os ensinamentos de amor e humildade do pergaminho.

 

 

 

Vendo o seu íntimo amigo em perigo, Melquisedeque, com uma ternura jamais revelada, conduziu-o para junto do trono, onde, tomando o pergaminho, passou a ler compassadamente os seguintes parágrafos:

A humildade é fruto do amor, sendo contrária ao orgulho, que pode manter uma criatura presa ao pó, fazendo-a contentar-se com suas limitações ,iludindo-a como se as mesmas fossem de infinito valor. A humildade consiste no esquecimento de si, e este, numa vida de abnegado serviço pelos semelhantes.

Samael, esforçando-se para encobrir sua indignação ante a leitura do pergaminho que para ele era ultrapassado, disse ao príncipe, em tom de conselho amigo:

O filho do rei ficou muito abalado ante as palavras de seu amigo, que evidenciavam loucura. Como libertá-lo desse caminho de morte?!

Ninguém em Salém, além de Melquisedeque, conhecia a triste condição de Samael. Com paciência, o príncipe procurava conscientizá-lo do real valor do pergaminho, cujas leis não podiam jamais ser alteradas, pois isto seria o fim de toda a paz.

Os conselhos do príncipe despertaram finalmente o seu coração. Meditando sobre suas palavras, conscientizou-se de estar seguindo por um caminho enganoso.

Ao ver nos olhos daquele a quem tanto amava as lágrimas do arrependimento, o filho de Adonias alegrou-se com sua vitória sobre o orgulho e o egoísmo.

Os dias que seguiram-se à libertação, foram cheios de realizações; O príncipe revelava-se ainda mais amigo, disposto a dar tudo de si para que seu companheiro pudesse prosseguir triunfante no caminho da humildade. Naqueles dias de júbilo, foi dada a ele a honra de conhecer o cetro que estava sendo moldado.

Num momento de descuido, Samael que voltara a desfrutar paz de espírito, permitiu que seu coração novamente ficasse possuído por um sentimento de grandeza, que fez desencadear nova tormenta em sua alma. Esse sentimento misto de orgulho e cobiça lhe sobreveio no momento em que o príncipe mostrava-lhe o dourado alaúde, no qual estava sendo impresso o selo de todo o domínio.

 

Capitulo V

De sua mansão Samael contemplava Salém em seu resplendor matinal. Vendo-a, qual noiva adornada à espera de seu rei, cobiçou-a. Em seu delírio passou a formular planos de conquista. Já podia sentir-se exaltado sobre o seu trono, tendo nas mãos o cetro precioso. Todos aclamariam-no como o libertador da opressão daquelas leis. Salém seria um reino de completa liberdade e prazer. Dominado por esta cobiça, passou a maquinar planos de conquista.

Samael decidiu agir sutilmente entre os súditos, levando-os a ver no pergaminho um impecílio à real liberdade. Em sua missão de engano, agiria com aparente bondade, revelando interesse pelo crescimento da felicidade de todos.

Pondo em prática seus planos, passou a visitar os súditos em suas mansões, falando-lhes das glórias do reino vindouro, onde desfrutariam completa liberdade.

 

 

 

Grande era a sua influência em Salém. Todos admiravam sua beleza e sabedoria, tendo-o como um perfeito apóstolo da justiça e do amor. Ninguém podia imaginar que em meio àquela atmosfera de júbilo e gratidão uma armadilha sutil estava sendo colocada, nas garras da qual muitos poderiam cair por descuido.

Em sua sedutora missão, Samael não falava contra o pergaminho, aliás, louvava-o por haver exercido naqueles seis anos prestes a findarem ,uma missão de prova. Em sua lógica, contudo, procurava mostrar que, no reino vindouro, quando todos estivessem aprovados, estariam acima daquelas leis. Seus argumentos, aparentemente corretos, preparavam-lhe o caminho para afirmar abertamente que, no novo reino, a existência do pergaminho, seria um entrave à concretização da verdadeira liberdade.

As sementes da rebelião lançadas por Samael não tardaram a germinar no coração de muitos em Salém. Isto acontecia a seis meses do Yom Kipur, quando o destino de todos seria selado. Um terço dos habitantes ,seduzido pelo terrível engano, exaltava-o agora, em completo desprezo às leis e ao príncipe, a quem julgavam ultrapassados.

Adonias, que sofria ao ver o surgimento de toda essa rebeldia, convocou os súditos para uma reunião de emergência. Na face de todos podia-se ver as contrastantes disposições.

Com voz compassiva, o rei passou a revelar-lhes, como jamais fizera antes, a grande importância das leis registradas no pergaminho, mostrando que elas eram a base de toda a prosperidade e paz. Se tais leis fossem banidas, toda felicidade e glória se extinguiriam, dando lugar ao caos.

Depois de mostrar a necessidade das leis, Melquisedeque, movido por um forte desejo de salvar aqueles a quem tanto amava, ergueu diante de todos o pergaminho e, com voz cheia de bondade ofereceu-lhes o perdão e a oportunidade de recomeçarem no caminho da paz. Suas palavras a todos emocionou, ficando até mesmo Samael ficou a princípio motivado, contudo, o orgulho impediu-lhe novo arrependimento. Desta maneira, o súdito honrado, quando ainda podia olhar arrependido para o pergaminho, endureceu-se em sua rebeldia, decidindo prosseguir até o fim. Esta decisão, todavia, não a manifestaria prontamente, pois idealizara um traiçoeiro plano.

Ao findar o encontro da oportunidade, Samael convocou seus seguidores para uma reunião secreta, que foi realizada sob o manto da noite, junto ao riacho de Cedrom que ficava fora dos muros de Salém.

Após maldizer o pergaminho e a todos aqueles que o defendiam, ,começou a falar-lhes de seus planos de vingança e traição:

Samael passou a explicar-lhes os lances da traição, dando-lhes as devidas orientações sobre a maneira de agirem a partir daquela data:

 

Capitulo VI

Sobrevieram dias de aparente tranqüilidade e paz Samael, fingindo fidelidade, estava sempre ao lado do príncipe, demonstrando admiração pelas suas novas composições que exaltavam as leis do

 

 

 

pergaminho. Os seguidores de Samael, da mesma maneira, uniam as vozes em louvores que expressavam a grandeza dos princípios aos quais repugnavam.

Melquisedeque, cheio de alegria por ver aproximar-se o dia de sua coroação, ensaiava com os súditos os cânticos da vitória, os quais compusera especialmente para aquela ocasião.Com felicidade falava a todos sobre seus sonhos em tornar Salém cada vez mais honrada por sua beleza e harmonia. Samael, em sua maldade velada, zombava do príncipe. Já previa a dor que lhe traria o golpe da traição.

Naqueles dias de aparente paz, o súdito rebelde procurou conhecer o lugar em que o cetro ficaria oculto até o dia da coroação. O príncipe, sem nada desconfiar, revelou-lhe todo o segredo: a sala, o cofre com seu enigma, o rico estojo e, finalmente o tesouro. Contemplando-o o astuto Samael animou-se ao ver estampado em seu bojo o selo do domínio; Compreendeu que, aquele que o possuísse, teria nas mãos o reino de Salém. Somente alguns dias, pensou, e teria sob seu poder aquele instrumento precioso.

O sol declinou trazendo para Salém o dia que significaria vitória ou derrota.

Pouco antes do anoitecer, Samael deixara o palácio onde passara todo o dia ao lado do príncipe, ajudando-o nos preparativos para a cerimônia da coroação. Dirigindo-se para sua mansão, saudou as trevas com um sorriso maldoso. Como ansiara por aquela noite!

Enquanto os fiéis, embalados pela emoção da feliz vitória , revisavam sob a luz de candeias os adornos de seus instrumentos, de vestes e mansões, certificando-se que seriam aprovados na manhã seguinte, Samael e seus seguidores faziam seus últimos preparativos para desferirem o golpe.

À meia-noite, seguindo as instruções de Samael, todos os seus seguidores abandonaram silentemente suas mansões, rumando-se ao profundo vale de Cedrom, onde esperariam pelo seu novo rei.

Samael, por sua vez, dirigiu-se aos fundos do palácio, por onde esperava entrar sem ser notado, indo ao encontro do cetro. Evitando qualquer ruído, transpôs o portal, dirigindo-se silentemente à sala que guardava o precioso cetro.

Naquele momento, o príncipe que, insone rolava em seu leito, pressentindo algum perigo, dirigiu-se ao quarto de seu pai e o despertou dizendo:

Afagando a cabeça de seu filho, Adonias, sonolento respondeu-lhe:

O príncipe, tranqüilizado pelas palavras confiantes de seu pai, entregou-se a um sono de lindos sonhos em que vivia ao lado de Samael e de todos os súditos de Salém, os momentos festivos da coroação. Enquanto isso, o rebelde com as mãos trêmulas, apossava-se do cetro. Naquele momento, teve a idéia de levar somente o alaúde, deixando o estojo em seu devido lugar.Com um sorriso cheio de maldade, imaginou o momento em que o rei entregaria ao seu filho aquele estojo vazio.

Levando consigo o cetro, Samael dirigiu-se apressadamente ao lugar em que seus seguidores o aguardavam. Ao encontrá-los, deu vazão a todo o seu orgulho proclamando:

Festejando a vitória, a turba ruidosa afastou-se para distante de Salém, seguindo rumo às cidades corrompidas da planície, onde pretendiam armarem-se para a conquista de seu reino.

O sol surgiu no horizonte, trazendo a luz do dia da expiação (Yom Kipur)..Despertando de seu sono de lindos sonhos, o príncipe apronta-se para a cerimônia do juízo e da coroação. Vestes especiais de linho fino, adornadas com fios de ouro e pedras preciosas, foram-lhe preparadas. Depois de vestir-se,

 

 

 

Melquisedeque encaminhou-se para o encontro de seus súditos, na extremidade sul de Salém. Dali os conduziria numa marcha festiva rumo ao palácio situado ao norte, sobre o monte Sião.

Adonias, fazendo soar um longo chifre, convocou a todos para a reunião do julgamento. Deixando suas mansões, todos os remanescentes dirigiram-se para a praça do portão sul, levando consigo seus instrumentos musicais.

Ao encontrar-se com aqueles fiéis, Melquisedeque ficou surpreso pela ausência de muitos. Esse mistério doía-lhe na alma, pois lhe ocultava-lhe a face mais querida de seu amigo Samael.

Deixando seus seguidores reunidos, o príncipe saiu à procura dos ausentes. Em sua busca infrutífera, dirigiu-se finalmente à mansão do monte, onde chamou por Samael; Sua voz, contudo, não trouxe nenhuma resposta além de um eco vazio, que traduzia ingratidão.

Lendo no triste vazio a traição, sentiu vontade de chorar. Num só momento veio-lhe à mente todo o passado daquele a quem buscara com tanta dedicação conservá-lo em sua glória, através de conselhos sábios. Recordou daqueles dias que seguiram à sua recuperação; Como se alegrara com a certeza de que seu amigo não mais voltaria a cair! Levando-o a pressentir a tragédia, veio-lhe a lembrança as indagações de Samael sobre o alaúde, o qual mostrou-lhe num gesto de amizade. A memória deste fato, somada aos passos ouvidos no interior do palácio naquela noite, deu-lhe a certeza que Salém corria perigo. Não suportando essa possibilidade de traição, prostrou-se em pranto, ferido pela terrível ingratidão daquele a quem dedicara tanto amor.

Curvado pela dor, permaneceu por algum tempo procurando encontrar algum consolo. Enxugou finalmente as lágrimas, decidido a fazer qualquer sacrifício a fim de devolver a Salém sua glória e poder, redimindo-lhe o cetro das mãos da rebeldia.

Consolado pela certeza da vitória, Melquisedeque retornou para junto dos súditos fiéis. Ocultando- lhes seu sofrimento, bem como o motivo da ausência de tantos, o príncipe guiou-os em marcha triunfal rumo ao palácio.

 

Capitulo VII

Ao aproximarem-se do monte Sião, galgaram os alvíssimos degraus da escadaria, sendo seguidos pela multidão exultante. Doía-lhe na alma a expectativa de ver morrer nos lábios dos fiéis, naquela manhã, o seu alegre canto, devido o golpe da traição.

Encontravam-se agora no interior do palácio, diante do magnífico trono que esperava pelo jovem rei. Na base do trono, jazia aberto, em meio a um arranjo de flores, o pergaminho das leis. Junto dele podia-se ver a linda coroa, feita de ouro e pedras preciosas, bem como o estojo daquele cetro que simbolizava toda a harmonia de Salém.

Os súditos estavam felizes, pois sabiam que seriam achados dignos de herdar aquele reino de paz. Aguardavam agora o momento da coroação, quando o seu novo rei os regeria de seu trono com seu cetro precioso, num cântico triunfal.

Em meio aos aplausos das hostes vitoriosas, Melquisedeque dirigiu-se a seu pai, que o recebeu com um carinhoso abraço. O momento era deveras solene. As hostes silenciaram-se na expectativa da coroação. O estojo seria aberto e, todos testemunhariam a exaltação do querido príncipe.

Com o coração pulsando forte pela alegria, Adonias curvou-se sobre o estojo, abrindo-o cuidadosamente; Ao encontrá-lo vazio, a alegria de seu semblante deu lugar à uma expressão de indizível preocupação e tristeza, pois naquele cetro selara o destino daquele reino de paz.

Ao ver seu pai e todos os súditos aflitos pela ausência do cetro e de tantos amigos que deveriam estar com eles naquele momento, Melquisedeque consolou-os com a promessa de que buscaria o cetro. Inconscientes dos riscos e perigos que aguardavam o príncipe em seu caminho, os súditos despediram-se dele, vendo-o partir apressadamente.

 

 

 

O alvorecer daquele dia que seria o da coroação, alcançou os rebeldes distantes de Salém, a caminho das cidades da planície. Naquele manhã, Samael encheu-se de fúria ao ver que o precioso alaúde estava adornado com inscrições das leis contidas no pergaminho. Tomando uma pedra pontuda, passou a danificar o cetro, raspando-lhe todas as palavras de amor e justiça. Suas harmoniosas cordas estavam agora desafinadas sobre o seu bojo ferido, mas continuava sendo precioso, pois sobre ele jazia selado o domínio de Salém. Possuí-lo, significava ser dono de todo o poder.

Ao chegarem à altura em que o caminho bifurcava-se, Samael ordenou a seus seguidores que prosseguissem rumo a Gomorra, enquanto ele iria até Sodoma, onde permaneceria por dois dias, juntando-se depois a eles.

Esperou pela noite para entrar em Sodoma. Quando ali entrou, caminhou pelas ruas estreitas sem ser notado, até encontrar uma casa isolada sobre uma elevação. Fazendo do cetro sua arma, invadiu a casa matando seus moradores, enquanto dormiam. Apossou-se dessa maneira daquela residência onde, solitário, maquinaria seus planos para a tomada de Salém.

O entardecer daquele dia que seria o da coroação, alcançou o filho de Adonias a caminhar pelo pedregoso caminho rumo ao vale. Seus olhos carregados de tristeza e anseio voltam-se para o solo, em busca dos rastros dos rebeldes. A lembrança da ingratidão daqueles a quem tanto amava, o fez chorar. Suas lágrimas, refletindo os últimos lampejos daquele sol poente, assemelham-se a gotas de sangue jorrando de um coração ferido. Ele chorava não por causa dos perigos que lhe sobreviriam naquela fria noite, mas pela infeliz sorte daqueles que haviam trocado a paz de Salém pela violência daquelas cidades da planície.

O seu único consolo era a lembrança daqueles que, apesar de todas as tentações, haviam permanecido fiéis. A eles prometera devolver o cetro, e isto o faria apesar de qualquer sacrifício.

Depois de uma longa noite de insônia em que o príncipe ficou recostado ao lado do caminho, raiou a luz de um dia que seria decisivo.

Ao aproximar-se de Sodoma naquela manhã, o pensamento de estar tão próximo do cetro de sua amada Salém, fez com que se esquecesse de toda a fadiga, abreviando seus passos rumo ao desafio. Ao abeirar-se do grande portão da cidade, ficou tomado por um temor, ao ouvir ruídos espantosos de desarmonia, que traduziam o orgulho, o egoísmo e a cobiça que ali dominavam todos os corações, fazendo-os explodir na orgia de uma maldade sem fim.

Seria um grande risco expor-se à violência gratuita daquela cidade. Esse pensamento o fez deter-se a um passo do portal, onde estremecido curvou a fronte em indizível luta íntima. Era tentado a recuar, mas lutava com todas as forças de sua alma contra esse pensamento de fracasso.

Pensando na triste sorte de Salém, cujo domínio estava sendo pisado no interior daquela cruel Sodoma, Melquisedeque tomou uma firme decisão: como um destemido guerreiro haveria de avançar, e, mesmo que tivesse de enfrentar o acúmulo de todos os perigos, prosseguiria, até erguer em suas mãos vitoriosas o cetro amado.

Resoluto e esperançoso, transpôs o portão de Sodoma, mergulhando naquele mundo estranho. Tudo ali era o oposto de Salém, começando pelas pedras ásperas e sujas de suas construções. Sodoma era um reino de trevas.

A presença contrastante do príncipe foi logo notada por muitos que, em tumulto o acercaram. A pureza de caráter expressa em sua meiga face e o esplendor de suas vestes, encheram-nos de espanto, e recuaram como que vencidos por uma força invisível. Dominados pela fúria , passaram a perseguí-lo à distância, decididos a fazê-lo recuar. Jogavam-lhe pedras e lama tentando macular-lhe as vestes, mas não o atingiam, enquanto ele avançava em sua ansiosa busca. Desistiram finalmente de perseguí-lo, ao entardecer.

 

Capitulo VIII

 

 

 

O filho de Adonias percorrera todas as ruas e becos à procura do precioso cetro, mas em vão. Ao ver tombar no horizonte o sol, anunciando a chegada de mais uma escura e fria noite, seu coração ficou opresso por uma grande agonia. Ali, naquele último beco, quase que vencido pela exaustão e pelo desespero, inclinou a fronte, desfazendo-se em pranto. Seus lábios, pronunciaram em meio aos soluços as seguintes palavras:

O príncipe, em sua suprema angústia, não percebia que outro gemido de dor, procedente de cordas arrebentadas de um alaúde humilhado, fazia-se ouvir naquele entardecer.

Subtamente, o fraco gemido penetrou seus ouvidos, reanimando-o com a certeza de que o grande momento da redenção havia chegado. Enxugando as lágrimas, reuniu as últimas forças correndo em direção à uma pequena casa situada sobre um monte, de onde parecia vir o som.

Ao dirigir-se à porta entreaberta, deteve-se ao contemplar uma cena chocante, de humilhante escravidão: Samael, envolvido por um manto sujo, castigava o cetro de Salém. Tanto o rapaz quanto o cetro achavam-se tão desfigurados, que não restavam neles quase que nenhum traço da glória perdida. Aquele cetro, contudo, mesmo arrasado como estava, era muito precioso, pois nele jazia o selo do domínio de Salém.

A contemplação daquele que fora seu maior amigo e daquele cetro idealizado como símbolo de toda a harmonia, em tão trágica condição, comoveu profundamente o príncipe, fazendo-o chorar em alta voz. Somente então o súdito rebelde percebeu sua presença indesejada. Estremecido, levantou-se, e, cheio de ira perguntou-lhe:

Apontando para o cetro danificado, Melquisedeque exclamou:

Com uma gargalhada, Samael zombou de sua tristeza ,dizendo:

Sem se importar com as palavras de afronta de Samael, o príncipe, movido por uma infinita angústia, lhe disse:

Conhecendo o propósito do príncipe, o rebelde encheu-se de raiva e cerrando os punhos disse-lhe :

Tendo dito isto, arremessou o cetro ao chão, e pisando-o acrescentou:

Diante dessa afronta, o príncipe não sentiu nenhum temor, mas compaixão. Transportando-se ao feliz passado, lembrava-se dos momentos felizes em que tinha sempre ao seu lado a Samael; Ele era um jovem puro e humilde de coração; Por que permitira ser escravizado pela ilusão do orgulho e do egoísmo?! Quão doloroso era ver aquele jovem que, por sua beleza e simpatia, havia sido honrado acima de todos os súditos, agora arruinado pela cobiça! Não fora o sonho do príncipe ter junto ao seu trono glorificado, aquele que lhe era o mais precioso amigo?! Essa tragédia feria-lhe a alma. Contudo, a triste condição do cetro o atingia ainda mais, pois ele fora feito como o símbolo de toda a harmonia ,e estava sendo desfeito sob os pés da ingratidão.

Surpreso por não ver nos olhos de Melquisedeque nenhuma expressão de temor, porém de piedade, Samael sentiu-se frustrado em suas afrontas que visam amedrontá-lo, levando-o desistir de sua missão.

 

 

 

Diante da postura digna do príncipe, que em silente dor o contemplava, sentiu-se envergonhado. Essa fraqueza, contudo, foi banida pelo orgulho que dominava o seu coração. Começou então a planejar algo terrível, para humilhar e ferir o príncipe, fazendo-o sofrer ainda mais.Com escárnio disse-lhe:

Samael, com um sorriso maldoso, respondeu-lhe pausadamente:

Estremecido ante tão cruel proposta, o filho de Adonias olhou para o sol que pairava distante sobre uma nuvem. Passou a travar em seu coração uma luta intensa. A princípio, o horror do sacrifício quase o dominou, levando-o recuar, mas o pensamento de ver Salém escravizada pela rebeldia, levou-o finalmente à decisão de pagar o preço do resgate, entregando-se ao humilhante sofrimento. Tendo tomado a firme decisão de resgatar o cetro, o príncipe, tirou as vestes, colocando-as sobre uma pedra. Deitou-se em seguida naquele solo frio, com a fronte voltada para o poente.

Impiedosamente, Samael começou a espancá-lo, fazendo uso do próprio cetro como instrumento de tortura. Gemendo pela dor dos golpes que o faziam sangrar, o príncipe mantinha o olhar fixo no sol que parecia deter-se sobre a nuvem. Atordoado pela dor, contemplou finalmente o sol prestes a se pôr. Alentado pela vitória que se aproximava,murmura baixinho:

Ouvindo a promessa do príncipe feita por entre gemidos, Samael bradou-lhe com fúria:

Depois de fazer essa afronta, Samael apossou-se de uma pedra pontuda, preparando-se para desferir os últimos golpes.

Enquanto pensava sobre a feliz vitória de Salém, Melquisedeque sentiu seu braço direito sendo comprimido pelos pés de Samael. Seguiu a esse rude gesto um golpe que o fez contorcer-se em agonia. Sua mão fora vazada cruelmente, passando a jorrar abundante sangue da ferida aberta. Essa mesma violência foi descarregada logo depois sobre sua mão esquerda.

Não suportando a agonia causada por esses derradeiros golpes, o filho de Adonias, ensangüentado, mergulhou nas trevas de um profundo desmaio.

 

Capitulo IX

Ao cessar de golpear o príncipe, o súdito rebelde ficou possuído por um estranho horror ao contemplar na face daquele que somente lhe fizera o bem, o torpor da morte. Procurava não recordar o passado, mas, irresistente, sentia ser arrastado aos dias de sua feliz inocência em Salém. Revestido de ricas vestes estava sempre ao lado do príncipe que, com dedicação, ensinava-lhe a cada dia suas canções que falavam de paz.

Nas indesejadas lembranças pelas quais era arrastado, reviveu seus primeiros passos no caminho do orgulho e do egoísmo. Lembrou-se dos incessantes conselhos e rogos daquele que fora seu melhor amigo, para que desistisse daquele caminho que poderia conduzi-lo à infelicidade.

Depois de ser arrastado em lembranças por todo aquele passado de felicidade destruída por sua culpa, Samael teve consciência de sua ingratidão. Horrorizado pelo que fizera, curvou-se sobre o corpo ensangüentado de Melquisedeque, e desesperou-se ao vê-lo sem vida. Não suportando o peso

 

 

 

da grande culpa, deixou às pressas aquele lugar, desejando ocultar-se distante, sob as trevas da fria noite.

Depois de um profundo desmaio, o príncipe começou a voltar à consciência; Em delírios que o transportavam ao seio de sua amada Salém, ele revivia momentos vividos e sonhados: Com alegria contemplava a face de seu maior amigo, para quem estendeu a mão com um sorriso. Mas seu gesto foi frustrado por uma profunda dor. Em meio aos aplausos dos súditos vitoriosos, recebe de seu pai o cetro, mas ao tocá-lo, sente uma irresistível dor em suas mãos.

Com esses sonhos frustrados pela dor, Melquisedeque despertou para a realidade. Estava nu, ferido e solitário, em um lugar perigoso, longe do abrigo e carinho de Salém. Mais doloroso era pensar que tudo aquilo fora a retribuição de alguém que fora o alvo principal de todas as dádivas de seu amor. O príncipe, sem poder mover-se, considerando a grande traição passou a chorar sem consolo. Lamentava não por sua dor, mas pela perdição daqueles que haviam trocado o carinho e a justiça de Salém pelo desprezo e ódio que os reduziriam finalmente a cinzas sobre aquele vale condenado.

Através das lágrimas, o príncipe contemplava o céu que, semelhante a um manto tinto de sangue, estendia-se banhado na luz do sol poente. Lembrou-se então do alaúde pelo qual pagara tão alto preço. Onde estaria ele?

Em sua desesperada fuga, Samael deixara o cetro abandonado junto ao corpo ferido de Melquisedeque. Quando ele o viu, esqueceu-se de toda a dor, e abraçou-o com suas mãos feridas. Acariciando-lhe o bojo arruinado, disse-lhe com um sorriso:

Samael que, dominado pelo estranho horror, fugira após cometer o horrível crime, deteve-se a um passo do portão de Sodoma. Ali, impulsionado pelo orgulho, arrependeu-se com indignação de sua fraqueza. Por que fugira depois de conquistar tão grande vitória? Não era seu plano destruir o reino de Salém, para estabelecer seu próprio reino? Lembrando-se do cetro, decidiu retornar para tomá-lo. Por que o deixara abandonado junto ao cadáver daquele odiado príncipe?

Reunindo suas poucas forças, Melquisedeque dirigiu-se tropegamente ao lugar em que deixara suas vestes.

Depois de vestir-se, tendo junto ao peito o cetro amado, o filho de Adonias, com profunda emoção fez um juramento antes de deixar aquele lugar de seu sofrimento. Acariciando o cetro diz-lhe:

Concluindo seu solene juramento ,o jovem príncipe, já oculto pelas trevas da noite e deixou aquela colina, e sobre ela as marcas de seu sofrimento.

Desde que o filho do rei partira, prometendo retornar com o cetro, Salém vivia momentos de indizível anseio. Em pranto, o rei e os súditos remanescentes lembravam-se de todo aquele feliz passado desfeito pela ingratidão dos rebeldes. O que mais lhes torturava era a ausência do príncipe e do cetro, sem os quais todo o brilho daquele reino de paz se ofuscaria.

Desejando consolar o coração de seus súditos, Melquisedeque avançava em meio à noite rumo aos montes que cercavam Salém. Ainda que enfraquecido e ferido, prosseguia em sua marcha ascendente, esperando alcançar sua pátria pela manhã.

 

 

 

Aquela longa e escura noite foi finalmente vencida pelos raios do alvorecer. Em Salém a esperança em rever Melquisedeque com o seu cetro estava quase banida quando, ao olharem para o Monte das Oliveiras, viram-no descendo pelo caminho do Getsêmani. Quando o encontraram no profundo vale de Cedrom, ficaram assustados com sua aparência: sua face estava pálida e seu manto encharcado de sangue. Mesmo assim, ele sorria expressando grande alegria.

Ao perguntarem-no sobre o porque daquelas marcas de sangue, Melquisedeque retirou de sob o manto suas mãos feridas, revelando-lhes entre elas o cetro redimido.

Depois de contar-lhes os passos que o levaram ao resgate do cetro, os súditos, emudecidos, prostraram-se reverentes aos seus pés, aclamando-o como seu redentor e rei.

Em meio aos louvores das hostes redimidas, o príncipe foi introduzido no palácio real, onde sob os cuidados de seu amoroso pai, deveria restabelecer-se de seu sofrimento. O cetro desfigurado, agora mais precioso, seria também restaurado, devendo tornar-se mais belo que antes.

O dia da coroação foi fixado para o próximo Yom Kipur. Naquele dia, Melquisedeque selaria com o cetro restaurado o triunfo de todos os fiéis, bem como a condenação dos rebeldes.

 

Capitulo X

Poucos instantes após a saída de Melquisedeque, Samael chegara ao local onde o deixara aparentemente sem vida, ao lado do alaúde. Sem entender aquele misterioso desaparecimento, ele prosseguiu para Gomorra, onde seus seguidores o esperavam. a Ao vê-los, proclamou sua “vitória” sobre o odiado príncipe e sobre o cetro, os quais massacrara em Sodoma, não restando aos seguidores do pergaminho nenhuma esperança.

Suas palavras agradaram a turba rebelde, que passou a comemorar a “conquista” entregando-se à orgia. Zombavam agora da justiça e do amor, exaltando a Samael como rei vitorioso.

Obteriam agora armas, com o propósito de avançarem sobre Salém, desferindo-lhe o último golpe; Juntaram-se a eles em seu maléfico propósito, muitos criminosos que foram recebidos como mestres no manejo de arcos e flechas.

Em sua loucura, Samael ordenou o banimento de todo calendário, pois em seu reino de “liberdade” não estariam sujeitos a nenhum cômputo de tempo. As leis da moralidade foram também banidas, surgindo com isso um completo caos. Essa desordem, revelou-se de maneira mais patente no barulho estridente e cacofônico, ao qual proclamaram como a nova música.

Dominados pelo egoísmo, Samael e seus seguidores alimentavam-se de ilusões, inconscientes de que seus dias estavam contados. Os frutos da rebelião não tardariam em atrair sobre eles o fogo da destruição.

Dividindo seus seguidores em pequenos grupos, Samael passou a comandá-los em atos violentos que aterrorizavam os moradores das planícies; Por esse tempo, eles escondiam-se nas cavernas situadas próximas ao mar salgado.

O respeito e o medo dos guerrilheiros de Samael, levou finalmente os reis de quatro cidades a procurarem-no, propondo alianças de paz. Eram eles: Bara, rei de Sodoma, Bersa, rei de Gomorra, Senaab, rei de Adama, Semeber, rei de Seboim e Segor, o rei de Bela. Por essa época, esses reis pagavam tributos a Cordolaomor, rei de Elam que, acompanhado pelos exércitos de quatro outras cidades, os haviam subjugado no vale de Sidim junto ao mar salgado.

Fortalecido pelas alianças, Samael tornou-se mais ousado em suas investidas, levando o terror e a destruição aos territórios de cidades distantes. Os exércitos de Cordolaomor e seus aliados que retornavam nesses dias de outras conquistas, enfurecidos pelas provocações de Samael, marcharam contra os quatro reis, vencendo-os novamente no vale de Sidim. Foi nessa ocasião que levaram cativos os habitantes de Sodoma, entre os quais encontrava-se o meu sobrinho Ló.

 

 

 

Acovardados diante do furor dos cinco reis, Samael e seus seguidores esconderam-se em suas cavernas, ao norte do mar salgado

 

Capitulo XI

Os doze meses contados a partir do grande sacrifício estavam prestes a terminar. O cetro, totalmente restaurado, resplandecia em seu estojo, enquanto o príncipe, igualmente restabelecido das feridas causadas pela rebeldia, alegrava-se ao ver chegar o Yom Kipur de sua coroação. Enquanto isso, ele compunha lindas canções que expressavam o seu amor por Salém.

Naqueles doze meses, a cidade da paz tornara-se mais bela, sendo adornada qual noiva para o grandioso dia da coroação.

À uma semana para o Yom Kipur, Samael, totalmente inconsciente de que o dia de seu julgamento se aproximava, reuniu os seus seguidores, anunciando-lhes que a próxima missão seria a conquista de Salém. Antes de avançarem, contudo, ele subiria sozinho para verificar os pontos vulneráveis da cidade.

Depois de ser aplaudido pela turba, Samael partiu em sua missão de reconhecimento. Enquanto avançava sozinho, procurava não lembrar-se daqueles momentos que trouxeram-lhe terror pela culpa, mas, dominado por uma força superior, foi arrastado em suas lembranças para aquele monte da cruel tortura.

Todo o seu passado começou a vir-lhe à lembrança, como um peso esmagador.

Quando despertou-se de suas lembranças das quais não conseguiu fugir, já era noite. A escuridão que o envolvia pareceu-lhe o prenúncio de um triste fim. Esse desânimo, contudo, procurou bani-lo com a lembrança do exército que o esperava, pronto para cumprir suas ordens, na conquista de Salém, onde não haveria lembranças daquele pergaminho.

O alvorecer o alcançou próximo de Salém. Ao avistar o monte das Oliveiras, veio-lhe à lembrança a última vez que o transpôs, deixando para trás a cidade vencida. Quantas noites haviam passado desde então? Ele perdera a noção de tempo, não sabendo que justamente doze meses haviam se passado. Não podia imaginar que, raiava naquela manhã o Yom Kipur, o dia de seu julgamento.

Ao chegar ao topo do monte das Oliveiras naquela manhã, Samael surpreendeu-se ao ver que a cidade tornara-se mais bonita que outrora; Toda ela estava adornada de ramos e flores, como uma donzela à espera de seu noivo. Contudo, Salém estava abandonada, não havendo nenhum sinal de vida em todas as suas mansões. Isto o fez concluir que os golpes que haviam aniquilado o príncipe e o cetro, trouxeram como conseqüência todo aquele abandono. Ele não sabia, contudo, que naquele momento todos os remanescentes daquele reino, encontravam-se ocultos no grande salão do palácio, aguardando pelo momento mais glorioso, da coroação de Melquisedeque.

Imaginando-se exaltado sobre o trono abandonado, tendo a seus pés os exércitos vitoriosos, o rebelde penetrou na cidade, dirigindo-se apressadamente ao palácio. Ao transpor o portal principal que dá entrada ao salão principal, ficou surpreso ao ver ali reunidos uma multidão de fiéis. Sobre um áureo tablado, enfeitado de flores talhadas em pedras preciosas, encontra-se o trono vazio. Na base do trono estava o pergaminho das leis, uma coroa de ouro cheia de pedras preciosas e o estojo que deixara vazio naquela noite de traição. Sem entender o enigma, Samael escondeu-se por trás de uma coluna, temendo ser reconhecido, e ficou observando.

Os súditos, com expressão de feliz expectativa olhavam para o trono vazio. Onde encontravam eles motivos para toda essa alegria, se haviam perdido o seu rei juntamente com o cetro? Samael questionava sobre esse mistério, quando Adonias, aplaudido pelos súditos, encaminhou-se para junto do trono.Com voz cheia de emoção pela vitória, o fundador de Salém anunciou que havia chegado o momento tão sonhado da coroação. Um brado de triunfo ecoou pelos ares quando, anunciado pelo seu pai, entrou o amado príncipe encaminhando-se em direção do trono. Ao vê-lo coberto por um

 

 

 

manto de glória, Samael ficou possuído por um terrível pavor, e procurou fugir. Descobriu, contudo, que todos os portais do grande salão estavam fechados por fora.

Teve início a cerimônia da coroação. Era um momento deveras solene. Adonias, num gesto reverente, tomou a rica coroa, colocando-a na fronte de seu filho. Prostrando-se depois sobre o estojo, abriu-o cuidadosamente, tirando dele o alaúde restaurado, cuja beleza e brilho eram muito superiores à sua primeira condição, ao sair das mãos de Adonias o seu luthier. Assentando-se no trono em meio às aclamações dos súditos, Melquisedeque passou a dedilhar o cetro, tirando dele acordes de muita harmonia e paz. Todos se aquietaram para ouvirem suas novas composições que expressavam o seu profundo amor pelo cetro e por todo aquele reino de paz.

Grande emoção invadia o coração de todos naquele momento, levando-os às lágrimas. Samael, sem forças para reagir, sentia-se torturado por aqueles acordes que torturavam faziam reviver em sua mente suas oportunidades perdidas, numa terrível tortura para sua consciência.

Melquisedeque compusera para aquele momento especial, canções que retratavam os momentos mais marcantes da história de Salém; Quando passou a cantar sobre a amizade que tinha por Samael, sua voz embargava-se pelas lágrimas que não conseguia conter. Triste para ele era cantar sobre a queda daquele que era-lhe o maior amigo! Cantou então sobre o alto preço que teve de pagar pela reconquista do cetro, que representa a honra de Salém.

Ao contemplarem aquelas mãos marcadas pelas cicatrizes, tocando com tanta maestria e carinho o cetro restaurado, os súditos tomados por forte emoção, prostraram-se em pranto.

Ao ver nas nãos de Melquisedeque aquele alaúde que, em suas mãos fora instrumento de tortura, Samael compreendeu, tarde demais o quanto errara, desviando-se dos conselhos do príncipe; Quantas vezes aquelas mãos sobre as quais descarregara toda aquela violência haviam sido estendidas num esforço de salvá-lo, e ele as havia negligenciado. Agora, era tarde demais! Tarde demais!!!

 

Capitulo XII

Os súditos triunfantes que, reverentes, haviam sido conduzidos a todo aquele passado de felicidade, traição, dor e triunfo, uniram finalmente as vozes numa jubilosa proclamação:

Verdadeiros e justos são os teus princípios, ó rei de Salém. Digno és de reinar em glória e majestade entre os louvores de teus fiéis, porque em teu sacrifício nos livraste das ameaças das trevas, fazendo renascer em nosso coração a alegria do alvorecer.

Esse cântico de exaltação foi seguido pela cerimônia de confirmação de todos os fiéis em sua vitória. O filho de Adonias, com o seu cetro redimido, passou a selar com um toque especial do cetro, a vitória de cada um. Formou-se para tanto uma longa fila de fiéis exultantes.

Os súditos confirmados, à medida em que iam recebendo o toque de aprovação do rei, posicionavam-se ao lado direito do trono, onde permaneciam aguardando pela confirmação dos outros.

Os olhares que, iluminados de alegria, haviam acompanhado o selamento dos últimos justos, pousaram sobre a figura estranha de Samael que, dominado por uma força irresistível, encaminhava- se cabisbaixo em direção do trono. Seu aspecto era horrível: seu semblante havia sido deformado pelo mal; suas vestes estavam sujas e mal cheirosas; tudo nele repugnava, ao ponto de ninguém reconhecê-lo.

Em meio ao espanto dos súditos, Melquisedeque ergueu-se de seu trono como que ferido por uma grande dor; De seus lábios os súditos ouvem uma dolorosa exclamação:

A figura deplorável daquele que fora tão belo, encheu a todos de tristeza, e começaram a prantear. Eles lamentavam por saber que o destino de Samael e de todos aqueles que o seguiram, poderia ter

 

 

 

sido muito diferente, se eles houvessem atendido aos rogos de amor de Adonias e de seu filho. Não era o plano do rei e o sonho de Melquisedeque tê-lo como o guardião do pergaminho, sendo o segundo em honra naquele reino?

Samael que, reconhecendo sua desventura, aproximara-se cabisbaixo do trono, ao presenciar toda aquela lamentação, é novamente iludido pelo orgulho, julgando tratar-se de uma demonstração de fraqueza de seus inimigos. A lembrança de seu exército que fortalecido o aguarda na planície, ilude- o com a certeza de que será vitorioso sobre Salém.Com esse pensamento, ergue a fronte marcada pelo ódio e, fitando o rei, levanta o punho cerrado e o desafia, desdenhando de sua autoridade, com a ameaça de tomar-lhe o trono.

Ainda que condoídos por sua perdição, os súditos de Salém não suportaram a ousada afronta daquele enlouquecido jovem que, depois de causar tanto sofrimento, ainda era capaz de erguer-se com tamanho desafio.

O vitorioso rei que com tanto prazer selara com o seu cetro a conquista dos fiéis, ergueu-o dolorosamente para o selamento da triste sorte dos rebeldes. Imobilizado por uma força estranha, Samael, sem desviar os olhos do cetro, ouviu dos lábios do rei a proclamação de seu julgamento e de todos os seguidores:

Prisioneiros de uma força invisível, ficariam retidos em suas cavernas por seis anos, sendo depois visitados pelo fogo do juízo que os destruiria juntamente com as cidades que a eles se aliaram.

Capitulo XIII

Ao ir para a cama depois daquele dia de tantas emoções, o jovem rei, imerso nas lembranças daquele passado de felicidade e dor, rolava em sua cama insone. Quando finalmente adormeceu, teve um sonho muito significativo.

No sonho, apareceu-lhe um anjo luminoso, que saudou-o com um sorriso, dizendo-lhe que todo o Universo acompanhava com atenção todo aquele drama que estavam vivendo, que o mesmo tinha um sentido prefigurativo, retratando acontecimentos passados e futuros, que envolvia todo o vasto universo.

As palavras do anjo despertaram em Melquisedeque um grande desejo de conhecer a história desse drama cósmico.

Conhecendo o seu anseio, o anjo arrebatou-o no sonho revelando-lhe um distante futuro. Diante de seus olhos manifestaram-se as glórias de uma nova e esplêndida Salém, cujas muralhas e mansões eram feitas de pedras preciosas; Os portais da cidade eram de pérolas. Suas amplas avenidas eram de ouro puro. A cidade era quadrangular e se estendia por centenas de quilômetros. Estava dividida em dois setores distintos: Norte e Sul. Ao Sul elevavam-se incontáveis mansões, habitações eternas de anjos e de seres humanos redimidos; Ao Norte havia um lindo paraíso ao qual o anjo revelou ser o jardim do Éden. Ali, em ambas as margens do rio da vida, havia campos repletos de todo tipo de vegetação, com flores e frutos em abundância. Viviam ali em perfeita harmonia, todas as espécies de insetos, aves e animais.

No meio do paraíso podia-se ver uma montanha fulgurante, a qual o anjo afirmou ser o monte Sião, o lugar do trono de Deus. Era daquele monte que emanava o rio da vida, fluindo por toda a cidade. Quando alcançaram o topo da montanha sagrada, o rei de Salém ficou deslumbrado com o cenário visto ao seu redor. Encontrava-se na parte mais elevada de Sião a mais linda de todas as edificações revelado pelo anjo como o palácio de Deus. Aquela magnífica construção era sustentada por sete colunas, todas de ouro transparente, engastadas de lindas pérolas. Ao redor do palácio, floresciam a mais exuberante vegetação: havia ali o pinheiro, o cipreste, a oliveira, a murta, a romãzeira e a figueira, curvada ao peso de seus figos maduros.

 

 

 

Enquanto admirava-se ante a beleza daquele lugar, o anjo disse-lhe que a nenhum ser humano fora dado o privilégio de ver o interior daquele palácio de Deus. A ele seria dada esta honra, pois fora escolhido para ser o portador das mais amplas revelações sobre o reino da luz.

Ao transporem com reverência um dos portais de pérolas, prostraram-se em adoração, enquanto ouviam o cântico de uma multidão de serafins, que circundavam o trono, em constante louvor Àquele que Era, que É e que Sempre Será.

Ao olhar para Aquele que estava assentado sobre o trono, Melquisedeque ficou surpreso ao descobrir a figura de um homem. Ele estava coberto por um manto de linho fino, de uma alvura sem igual, e tinha sobre a cabeça uma coroa formada por sete coroas sobrepostas, repletas de pedras preciosas.

Ao olhar para as mãos que sustentavam o cetro, o filho de Adonias ficou surpreso ao descobrir nelas cicatrizes de ferimentos, semelhantes àquelas em suas mãos. O anjo afirmou-lhe ser o Messias, a manifestação visível de Yahwéh, o Deus Invisível.

Atraído para o cetro resplandecente, com o qual o Messias governava sobre todo o Universo, o rei de Salém viu nele o selo do domínio, e nele escrito o nome: Israel.

Tomado por profunda emoção, Melquisedeque prostrou-se ante o Rei daquela eterna Salém, e, revivendo ali a história de sua pequena cidade, teve desejo de conhecer o grande drama da história universal. Conhecendo o desejo de seu coração, o anjo disse-lhe:

Depois de falar ao rei de Salém estas palavras, o anjo conduziu-o em visão a um infinito passado, quando o Universo ainda não existia.

Uma história muito parecida com a de Salém passou a desdobrar-se diante de seus olhos; porém, numa dimensão infinitamente maior, começando pela criação do reino da luz.Com admiração contemplou a formação de bilhões de mundos e estrelas, repletos de vida e felicidade que passaram a girar em torno da Salém Celeste, o paraíso de Deus.

Sua atenção voltou-se depois para o mais belo de todos os querubins que, honrado pelo Criador, passou a residir com Ele em Seu palácio. Uma eternidade de felicidade e paz parecia embalar aquele reino, quando a mesma experiência de egoísmo e rebeldia vivida por Samael, começou a repetir-se na vida daquele anjo amado.

Cenas de uma grande rebelião começaram a ser mostradas a Melquisedeque, envolvendo todos os habitantes do Universo. O querubim honrado, semelhante a Samael, seduzira um terço das hostes que, passaram a reverenciá-lo como rei.

Em meio às cenas daquele grande conflito, o rei de Salém testemunhou a criação do planeta Terra, sobre a qual surgiu o homem como cetro racional daquele reino disputado.

Com agonia viu o momento em que o chefe da rebelião aproximou-se sutilmente do paraíso, apossando-se do ser humano, depois de seduzi-lo com tentações. Ouviu então o seu brado, numa proclamação de vitória. A partir daquele momento, o inimigo de Deus passou a arruinar o ser humano, apagando nele todos os traços da glória divina, como Samael fizera com o cetro.

A sua própria experiência, ao declarar naquela manhã aos súditos de Salém sua decisão de ir em busca do cetro perdido, começou a repetir-se diante de Seus olhos.

 

 

 

Reunindo as hostes que haviam permanecido fiéis ao Seu governo, o Criador passou a revelar um plano de resgate: Ele haveria de ir em busca do homem, e o remiria, ainda que isto lhe custasse infinito sacrifício. Diante desta revelação, o filho de Adonias prostrou-se comovido, ao descobrir que em sua vida tivera a honra de retratara o próprio Messias.

Todo o drama vivido pelo filho de Adonias em sua angustiante busca, até o momento de seu suplício pela redenção do cetro, foi ganhando amplitude naquela visão que abarcava toda uma eternidade. Diante de seus olhos desfilavam cenas de uma grande batalha que, sem trégua se estenderia até o dia do juízo final, quando o Messias vitorioso empunhará o cetro redimido, selando com ele a condenação de todas as hostes rebeldes.

 

Capitulo XIV

Através das revelações recebidas do anjo, Melquisedeque tomou conhecimento do grande livramento alcançado dez dias antes de sua coroação, em Rosh Hashaná, quando diante de trezentos pastores com seus vasos incendiados, exércitos de cinco reis tombaram, saindo livres os cativos.

Conhecendo nossa intenção de subir à Salém por ocasião de Sukot, o rei fez preparativos para uma grande festa, na qual comemoraríamos juntos a vitória sobre toda a desarmonia gerada pelo orgulho e pelo egoísmo.

Foi por isso que ao chegarmos a Salém, ficamos surpresos com toda aquela honrada recepção. Ocupar-me com o relato de todos esses acontecimentos, fez-me passar por todo este sétimo ano, quase sem notar os seus dias, que passaram velozes. Estamos hoje às portas de um novo Rosh Hashanah, quando os 300 pastores tocarão os chifres, convocando todos aqueles que possuem as pérolas, para a reunião solene de Yom Kipur. Cinco dias depois seremos recebidos em Salém para a festa de Sukot.

A certeza de que acontecimentos importantes ainda deverão ser relatados até o momento em que o vaso será deixado na caverna, fez-me reservar um espaço no rolo, no qual registrarei, dia após dia, os fatos, até a consumação desta história.

Hoje é Rosh Hashaná, o dia mais feliz de minha vida, pois meus braços puderam envolver finalmente o filho da promessa. A primeira coisa que Sara fez ao recebê-lo, foi colocar-lhe em sua mãozinha direita a segunda pérola que o Messias lhe dera no dia de sua conversão, na qual estava escrito nome Isaque que significa “riso”, o nome de Melquisedeque e o nome de Salém.

Dois dias antes do Yom Kipur, Isaque foi circuncidado, conforme a ordem de Yahwéh.

Desde que os pastores começaram a tocar seus chifres em Rosh Hashanah, todos aqueles que possuíam pérolas do vaso, deixaram suas tendas, dirigindo-se em pequenos grupos, para junto do Carvalho de Mambré.

Ao chegar o Yom Kipur, o dia da reunião solene, meus pastores informaram-me que todos que aqueles que haviam recebido pérolas, haviam comparecido ao encontro, não faltando nenhuma pessoa. Era maravilhoso ver a alegria estampada no semblante de toda aquela multidão, que ansiava pela subida à Salém. Todos tinham uma história para contar, de como foram mal compreendidos e humilhados por aqueles que não receberam a salvação representada pelas pérolas. O único consolo que tinham naquele tempo, vinha da certeza de que subiriam a Salém para a festa de Sukot.

No primeiro dia da festa de Sukot, a multidão foi subdividida pequenos grupos de doze pessoas, para subirmos em ordem à Salém.

Tendo o vaso com o rolo em minhas costas, posicionei-me à frente da multidão, sendo seguido por Sara e Isaque, que vinham montados num camelo; Logo atrás vinha Ló e suas filhas; um pouco atrás, os trezentos pastores seguidos por todos os fiéis.

 

 

 

Iniciávamos nossa escalada quando, acompanhado por todos os seus súditos, surgiu Melquisedeque vindo ao nosso encontro, fazendo vibrar pelos ares o som festivo de muitos instrumentos musicais, comemorando a grande vitória.

Depois de saudar-nos, o filho de Adonias conduziu-nos numa marcha festiva até adentrarmos os portais de Salém, que encontra-se agora mais bonita que outrora.

Diante do trono, todos os remidos foram coroados por Melquisedeque,começando em seguida o grande banquete.

Grande foi a alegria do rei de Salém quando entreguei-lhe o vaso com o meu manuscrito. Levando- me para uma sala especial do palácio, ele mostrou-me os seis manuscritos nos quais registrara a história do Universo, segundo fora-lhe mostrada em sonho.

Ao receber o meu manuscrito, ele o costurou aos demais, vindo a ser o primeiro do grande rolo.

No último dia da festa de Sukot, o rolo foi aberto diante de toda a multidão de fiéis. Depois de ler uma boa parte do meu manuscrito, o filho de Adonias, tomando em seus braços o pequeno Isaque, afirmou:

Depois de abençoar Isaque, Melquisedeque passou a falar sobre o futuro do rolo que permaneceria por quase quatro milênios ocultos em uma caverna, sendo finalmente encontrado por um beduíno da tribo de Taamireh. Ao sair de sua caverna, o rolo enfrentaria a oposição de muitos eruditos que o declarariam apócrifo. Viria, contudo, o momento, em que suas revelações seriam confirmadas, e muitos seriam transformados pelas suas mensagens, preparando-se para o dia do juízo final.

 

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