SÃO JOÃO EVANGELISTA, O TEÓLOGO A PASSAGEM DA SANTA MÃE DE DEUS
Quando a santíssima e gloriosa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, segundo o seu costume, ia ao sepulcro do Senhor para queimar aromas e dobrava seus santos joelhos, costumava suplicar a Cristo, seu filho e nosso Deus, que se dignasse vir até ela.
Ao notar a assiduidade com que ela se acercava da sagrada tumba, os judeus foram até os príncipes dos sacerdotes para dizer-lhes: “Maria vai todos os dias ao sepulcro”. Aqueles chamaram os guardas que haviam sido colocados ali com o objetivo de impedir que alguém se aproximasse para orar junto ao sagrado monumento, e começaram a fazer averiguações para saber se era verdade o que se dizia com relação a ela. Os guardas responderam que não haviam notado nada, pois de fato, Deus não lhes permitia aperceberem-se da sua presença.
Certo dia, numa sexta-feira, a santa Maria foi, como de costume, ao sepulcro. E, enquanto estava orando, aconteceu que os céus se abriram e o arcanjo Gabriel desceu até ela e lhe disse: “Deus a salve, ó mãe de Cristo nosso Deus; tua oração, depois de atravessar os céus, chegou até a presença de teu Filho e foi ouvida. Por isto abandonarás o mundo daqui a pouco e partirás, conforme teu pedido, para as mansões celestiais, ao lado de teu Filho, para viver a vida autêntica e perene”.
Tendo ouvido isto dos lábios do santo arcanjo, voltou até a cidade santa de Belém, tendo junto de si as três donzelas que a atendiam. Quando, então, repousava um pouco, ergueu-se e disse-lhes: “Trazei-me um incensório, que vou orar”. E elas o trouxeram, conforme lhes havia sido ordenado.
Depois pôs-se a orar desta maneira: “Senhor meu Jesus Cristo, que por tua extrema bondade houveste por bem ser gerado por mim, ouve minha voz e envia-me o teu apóstolo João para que a sua visão me propicie o início da boa sorte. Manda-me também o restante dos teus apóstolos, aqueles que já foram ter contigo e aqueles que ainda se encontram nesta vida, de onde estiverem, para que, ao vê-los novamente, possa eu abençoar teu nome, sempre louvável. Sinto-me animada porque atendes à tua serva em todas as coisas”.
Quando ela estava orando, eu, João, apresentei-me, já que fui arrebatado pelo Espírito Santo que me trouxe de Éfeso sobre uma nuvem, deixando-me depois no lugar onde estava a mãe de meu Senhor. Entrei, então, até onde ela se encontrava e dei graças ao seu Filho; depois disse: “Salve, ó mãe de meu Senhor, aquela que gerou a Cristo nosso Deus; alegra- te, porque irás sair deste mundo muito gloriosamente”.
A santa mãe de Deus louvou a Deus porque eu, João, havia chegado junto a ela, lembrando-se daquela voz do Senhor que disse: “Eis aqui a tua mãe e eis aqui o teu filho”. Nesse momento as três jovens vieram e prostraram-se diante dela.
Então a santa mãe de Deus dirigiu-se a mim, dizendo-me: “Vem orar e jogar incenso”. Eu orei desta maneira: “Senhor Jesus Cristo, que fizeste tantas maravilhas, faz alguma também neste momento, à vista daquela que Te gerou; que tua mãe saia desta vida e que sejam abatidos aqueles que Te crucificaram e aqueles que não acreditaram em Ti”.
Depois que dei por terminada minha oração, a santa Maria disse-me: “Traz-me o incensório”. E, tomando-o, ela exclamou: “Glória a Ti, meu Deus e Senhor, foi cumprido em mim o que prometeste antes de subir aos céus, que, quando fosse a minha vez de sair deste mundo, virias ao meu encontro cheio de glória e rodeado de uma multidão de anjos”.
Então eu, João, disse-lhe: “Jesus Cristo, nosso Senhor e Deus, já está para vir; e tu o verás, conforme Ele prometeu”. Ao que respondeu a santa mãe de Deus: “Os judeus fizeram o juramento de queimar meu corpo quando eu morreu”. Eu respondi: “Teu santo e
precioso corpo não verá a corrupção”. Ela então replicou: “Anda, pega o incensório, esparze incenso e ora”. E do céu veio uma voz dizendo amém.
Eu ouvi esta voz, e o Espírito Santo disse-me: “João, ouviste essa voz que foi emitida no céu depois que a oração terminou?” Eu respondi-lhe: “Sim, eu ouvi”. Então o Espírito Santo acrescentou: “Esta voz que escutaste é sinal da iminente chegada de teus irmãos aos apóstolos e das tuas santas hierarquias, pois hoje reunir-se-ão aqui”.
Eu, João, pus-me então a orar. E o Espírito Santo disse aos apóstolos: “Vinde todos e sobre as nuvens, dos confins da terra, e reuni-vos na santa cidade de Belém para assistir a mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo que está em comoção: Pedro, de Roma, Paulo, da Tibéria, Tomé, do centro das Índias, Tiago, de Jerusalém”.
André, o irmão de Pedro, e Felipe, Lucas e Simão Cananeu, juntamente com Tadeu, os quais já haviam morrido, foram despertados de seus sepulcros pelo Espírito Santo. Este dirigiu-se a eles e disse-lhes: “Não creiais que já chegou a hora da ressurreição. A razão pela qual neste momento surgis de vossas tumbas é que haveis de ir prestar preito à mãe de vosso Salvador e Senhor Jesus Cristo, tributando-lhe uma maravilhosa homenagem; pois chegou a hora de sua saída deste mundo e de sua partida para os céus”.
Também Marcos, ainda vivo, chegou de Alexandria juntamente com os outros, chegados, como foi dito, de todos os países, Pedro, arrebatado por uma nuvem esteve no meio do céu e da terra sustentado pelo Espírito Santo, enquanto os demais apóstolos por sua vez também eram arrebatados sobre as nuvens para se encontrarem com Pedro. E assim, desta maneira, como fica dito, todos foram chegando por obra do Espírito Santo.
Entramos depois no lugar onde estava a mãe de nosso Deus e, prostrados em atitude de adoração, dissemo-lhes: “Não tenhas medo nem aflição. O Senhor Deus, a quem deste à luz, tirar-te-á deste mundo gloriosamente”. E ela, regozijando-se em Deus seu salvador, ergueu-se no leito e disse aos apóstolos: “Agora sim eu creio que nosso Deus e mestre já vem do céu, que o vou contemplar e que hei de sair desta vida da mesma maneira pela qual eu vos vi apresentar-vos aqui. Quero que me digais como tomastes conhecimento da minha partida e vos apresentastes a mim e de quais países e latitudes viestes, já que viestes visitar- me com tanta presteza. Embora havereis de saber que meu filho, nosso Senhor Jesus Cristo e Deus universal, não quis ocultar-me, pois estou firmemente persuadida, mesmo neste momento, de que Ele é o Filho do Altíssimo”.
Então Pedro dirigiu-se aos apóstolos nestes termos: “Cada um de nós, de acordo com o que nos foi anunciado e ordenado pelo Espírito Santo, dê a informação à mãe de Nosso Senhor”.
Eu, João, de minha parte respondi e disse: “Encontrava-me em Éfeso e, enquanto me aproximava do santo altar para celebrar os ofícios, o Espírito Santo disse-me: `Chegou para a mãe do teu Senhor a hora de partir; põe-te então a caminho de Belém para despedir-te dela’. Nesse instante uma nuvem luminosa arrebatou-me e colocou-me na porta da casa onde tu jazes”.
Pedro respondeu: “Eu também, quando me encontrava em Roma, ouvi uma voz da parte do Espírito Santo, a qual me disse: `A mãe de teu Senhor, tendo já chegado sua hora, está para partir; põe-se então a caminho de Belém para despedir-te dela’. E eis que uma nuvem luminosa arrebatou-me, e pude ver também os demais apóstolos que vinha até mim sobre as nuvens e percebi uma voz que dizia: `Ide todos a Belém'”.
Paulo, por sua vez, respondeu e disse: “Também eu, enquanto me encontrava numa cidade a pouca distância de Roma, chamada terra dos Tibérios, ouvi o Espírito Santo que me dizia: `A mãe de teu Senhor está para abandonar este mundo e empreender por meio da
morte a sua caminhada aos céus; põe-te tu também então a caminho de Belém para despedir-te dela’. E nesse momento uma nuvem luminosa arrebatou-me e colocou-me no mesmo lugar em que estais”.
Tomás, por sua vez, respondeu e disse: “Também eu encontrava-me percorrendo o país dos hindus, e à medida que pregava ia conquistando confiança, com a graça de Cristo, quando o filho da irmã do rei, de nome Lavdan, estava para receber de mim o selo de batismo, no palácio, de repente o Espírito Santo disse-me: `Tu, Tomás, apresenta-te também em Belém para despedir-te da mãe do Senhor, pois o seu trânsito para os céus está para se efetuar’. Nesse momento uma nuvem luminosa arrebatou-me e trouxe-me à vossa presença”.
Marcos, por sua vez, respondeu e disse: “Eu me encontrava na cidade de Alexandria, celebrando o ofício da terça e, enquanto orava, o Espírito Santo arrebatou-me trouxe-me à vossa presença”.
Tiago respondeu e disse: “Enquanto me encontrava em Jerusalém, o Espírito Santo intimou-me com esta ordem: `Vai a Belém, pois a mãe de teu Senhor está para partir’. E uma nuvem luminosa arrebatou-me e colocou-me na vossa presença”.
Mateus, por sua vez, respondeu e disse: “Eu dei graças e continuo dando graças a Deus porque, estando cheio de agitação ao encontrar-me dentro de uma embarcação e ver o mar alvoroçado pelas ondas, veio de repente uma nuvem luminosa e deitou sua sombra sobre a fúria da tempestade, acalmando-a; depois tomou-me e colocou-me junto a vós”.
Por sua vez aqueles que haviam vindo anteriormente responderam e narraram de que maneira se haviam apresentado. Bartolomeu disse: “Eu encontrava-me na Tebaida pregando a palavra, e eis que o Espírito Santo dirigiu-se a mim nestes termos: `A mãe de teu Senhor está para partir; põe-te então, a caminho de Belém para despedir-te dela’. E eis que uma nuvem luminosa arrebatou-me e trouxe-me até vós”.
Tudo isto foi dito pelos apóstolos à santa mãe de Deus: Como e de que maneira haviam feito a viagem. E depois ela estendeu suas mãos aos céus e orou dizendo: “Adoro, exalto e glorifico teu celebradíssimo nome, pois puseste teus olhos na humildade da tua escrava e fizeste em mim grandes coisas. Tu que és poderoso. E eis que todas as gerações chamar- me-ão bem-aventurada”.
Quando deu por terminada sua oração, disse aos apóstolos: “Lançai incenso e orai”. E, enquanto eles oravam, produziu-se um trovão no céu e uma voz terrível fez-se ouvir. E nesse instante apareceu um imenso exército de anjos e de divindades e ouviu-se uma voz como a do Filho do Homem. Ao mesmo tempo, os serafins circundaram a casa onde jazia a santa e imaculada virgem e mãe de Deus. De tal maneira que tantos quantos estavam em Belém viram todas estas maravilhas e foram a Jerusalém anunciando todos os prodígios acontecidos.
Sucedeu que, depois que se ouviu aquela voz, o sol apareceu de repente ao mesmo tempo que a lua, ao redor da casa. E um grupo de primogênitos dos santos apresentou-se na casa onde jazia a mãe do Senhor para sua honra e glória. E vi também que muitos milagres aconteceram; cegos que voltavam a ver, surdos que ouviam, coxos que andavam, leprosos que se tornavam limpos e possuídos por espíritos imundos que eram curados. E todo aquele que se sentia acometido por alguma doença tocava pelo lado de fora o muro da casa onde ela jazia e gritava: “Santa Maria, mãe de Cristo, nosso Deus, tem compaixão de nós”. E imediatamente sentiam-se curados.
E grandes multidões, vindas de diversos países, que se encontravam em Jerusalém por motivo de oração, ouviam os prodígios que se operavam em Belém através da mãe do
Senhor e apresentaram-se naquele lugar suplicando a cura de diversas enfermidades: coisa que obtiveram. E aquele dia produziu uma alegria inenarrável, e enquanto a multidão dos curados e dos espectadores davam graças a Cristo nosso Deus e à sua mãe. E Jerusalém inteira, ao voltar de Belém, festejava cantando salmos e hinos.
Os sacerdotes dos judeus, por sua vez, e todo o seu povo, estavam extáticos de admiração pelo ocorrido. Mas, dominados por uma violentíssima paixão, e depois de se terem reunidos em conselho, levados pelo seu raciocínio néscio, decidiram ir contra a santa mãe de Deus e contra os santos apóstolos que se encontravam em Belém. Mas, tendo a multidão dos judeus se posto a caminho de Belém, aconteceu que à distância de uma milha uma visão terrível apresentou-se-lhes e eles ficaram com os pés como que amarrados, e voltaram aos seus conterrâneos e narraram aos príncipes dos sacerdotes tudo sobre a terrível visão.
Mas aqueles, sentindo-se ainda mais irados, foram à presença do governador gritando e dizendo: “A nação judaica veio abaixo por causa dessa mulher; expulsa-a de Belém e da comarca de Jerusalém”. Mas o governador, surpreendido pelos milagres, replicou: “Eu, de minha parte, não a expulsarei nem de Jerusalém nem de nenhum outro lugar”. Mas os judeus insistiam falando muito e rogando-lhes pela saúde de César Tibério que expulsasse os apóstolos de Belém, dizendo: “E, se assim não o fizeres, informaremos o imperador a respeito”. Então viu-se constrangido a enviar um quiliarca a Belém contra os apóstolos.
O Espírito Santo disse, então, aos apóstolos e à mãe do Senhor: “Eis que o governador enviou um quiliarca contra vós por causa dos judeus que se amotinaram. Saí, então, de Belém e não temais, porque eu vos transportarei numa nuvem até Jerusalém, e a força do Pai, do Filho e do Espírito Santo está convosco”.
Os apóstolos levantaram-se e saíram da casa levando a liteira da Senhora, a mãe de Deus, e dirigiram seus passos a caminho de Jerusalém. Mas de repente, conforme o Espírito Santo havia dito, foram arrebatados por uma nuvem e encontraram-se em Jerusalém na casa da Senhora. Uma vez ali, levantaram-se e cantaram hinos durante cinco dias ininterruptamente.
Quando o quiliarca chegou a Belém, ao não encontrar ali nem a mãe do Senhor nem os apóstolos, deteve os belemitas, dizendo-lhes: “Não sois vós aqueles que vieram contar ao governador e aos sacerdotes todos os milagres e prodígios que acabam de acontecer e não lhes dissestes que os apóstolos vieram de todos os países? Então, onde estão? Agora ponde- os todos imediatamente a caminho de Jerusalém para apresentá-los diante do governador”. Note-se que o quiliarca não estava inteirado da retirada dos apóstolos e da mãe do Senhor para Jerusalém. Então, o quiliarca prendeu os belemitas e apresentou-se ao governador para dizer-lhe que não havia encontrado ninguém.
Cinco dias depois chegou ao conhecimento do governador, dos sacerdotes e de toda a cidade que a mãe do Senhor, em companhia dos apóstolos, encontravam-se em sua própria casa em Jerusalém, graças aos prodígios e maravilhas que ali aconteceram. E uma multidão de homens, mulheres e virgens reuniram-se gritando: “Santa Virgem, mãe de Cristo nosso Deus, não te esqueças da raça humana”.
Diante destes acontecimentos, tanto o povo judeu quanto os sacerdotes sentiram-se ainda mais joguetes da paixão; e, atirando lenha ao fogo, arremeteram contra a casa onde estava a mãe do Senhor em companhia dos apóstolos, com a intenção de queimá-la. O governador contemplava o espetáculo de longe. Mas, no exato momento em que o povo judeu chegava às portas da casa, eis que, por obra de um anjo, saiu do seu interior uma labareda que abrasou um grande número de judeus. Com isto a cidade inteira ficou
assustada e cheia de temor e todos deram graças ao Deus que foi gerado por ela.
Quando o governador viu o que sucedera, dirigiu-se a todo o povo, dizendo aos brados: “Na verdade Aquele que nasceu da Virgem, Aquele que vós maquinastes perseguir, é filho de Deus, pois estes sinais são próprios do verdadeiro Deus”. Assim, então, produziu-se uma cisão entre os judeus, e muitos acreditaram no nome do Nosso Senhor Jesus Cristo graças aos prodígios realizados.
Depois que se operaram estas maravilhas por intermédio da mãe de Deus e sempre Virgem Maria, mãe do Senhor, enquanto nós, os apóstolos, encontravamo-nos com ela em Jerusalém, o Espírito Santo disse-nos: “Já sabeis que foi num domingo que teve lugar a anunciação do arcanjo Gabriel à Virgem Maria, e que foi num domingo que nasceu o Salvador em Belém, e que foi num domingo que os filhos de Jerusalém saíram com palmas ao seu encontro dizendo: `Hosana nas alturas! Bendito o que vem em nome do Senhor’, e que foi num domingo que ressuscitou de entre os mortos, e que num domingo haverá de vir julgar os vivos e os mortos e que, finalmente, num domingo haverá de baixar dos céus para honrar e glorificar com a sua presença a partida da santa e gloriosa virgem que lhe deu à luz”.
Nesse mesmo domingo a mãe do Senhor disse aos apóstolos: “Atirai incenso, pois Cristo já está vindo com um exército de anjos”. No mesmo instante Cristo apresentou-se- nos sentando sobre um trono de querubins. E, enquanto todos estávamos orando, apareceram multidões incontáveis de anjos, e o Senhor estava pleno de majestade sobre os querubins. E eis que um eflúvio resplandecente irradiou-se sobre a santa Virgem por virtude da presença de seu Filho Unigênito, e todas as divindades celestiais caíram por terra e O adoraram.
O Senhor dirigiu-se então à sua mãe e disse-lhe: “Maria.” Ela respondeu: “Aqui me tens, Senhor”. Ele disse-lhe: “Não te aflijas; melhor será que teu coração se alegre e sinta gozo, pois encontraste graça para poder contemplar a glória que me foi dada pelo meu Pai”. A santa mãe de Deus elevou então seus olhos e viu nele uma glória tamanha, que é inefável para a boca do homem e incompreensível.
O Senhor permaneceu ao seu lado e continuou dizendo: “Eis que a partir deste momento teu corpo será transportado ao paraíso, enquanto que tua santa alma estará nos céus, entre os tesouros de meu Pai, coroada de um extraordinário resplendor, onde há paz e alegria próprias dos santos anjos e mais ainda”.
A mãe do Senhor respondeu e disse-lhe: “Senhor, impõe-me tua mão direita e abençoe- me”. O Senhor estendeu sua santa mão direita e abençoou-a. Ela a estreitou e cobriu-a de beijos enquanto ela dizia: “Adoro esta mão direita que criou o céu e a terra. E rogo em teu nome sempre abençoado, ó Cristo-Deus, Rei dos séculos, Unigênito do Pai! Recebe a tua serva, Tu que Te dignaste encarnar através de mim, a pobrezinha, para salvar a raça humana segundo teus inefáveis desígnios. Concede tua ajuda a todo aquele que invoque ou que rogue ou que simplesmente faça menção ao nome da tua serva”.
Enquanto ela dizia estas coisas, os apóstolos chegaram junto aos seus pés e, adorando-a, disseram-lhe: “Deixa, ó mãe do Senhor uma benção ao mundo, posto que vais abandoná-lo. Já o abençoaste e o ressuscitaste, perdido como estava, ao gerares tu a luz do mundo.” E a mãe do Senhor, tendo-se colocado em oração, fez esta súplica: “Deus, que pela imensa bondade enviaste o teu Filho Unigênito para habitar este humilde corpo e Te dignaste a ser gerado por mim, a pobrezinha, tem compaixão do mundo e de toda a alma que invocar teu nome”.
Orou novamente desta maneira: “Senhor, Rei dos céus, Filho do Deus vivo, recebe todo
homem que invoque teu nome para que o teu nascimento seja glorificado”. Depois pôs-se novamente a orar, dizendo: “Senhor Jesus Cristo, que podes no céu e na terra, esta é a súplica que dirijo ao teu santo nome: santifica para todo o sempre o lugar que se celebre a memória de meu nome e concede glória aos que Te dão graças por mim, recebendo delas toda a oferenda, toda a súplica e toda a oração”.
Depois de haver ela orado desta maneira, o Senhor disse à sua própria mãe: “Alegra-te e regozija-te, pois todas as formas de graças e de dons foram dados por meu Pai celestial, por mim e pelo Espírito Santo. Toda alma que invocar o teu nome ver-se-á livre da confusão e encontrará misericórdia, consolo, ajuda e amparo neste século e no futuro diante de meu Pai celestial”.
O Senhor voltou-se e disse a Pedro, então: “Chegou a hora de dar início à salmodia”. E Pedro entoou e todas a potências celestiais responderam com Aleluia. Então um resplendor mais forte que a luz enalteceu a face da mãe do Senhor e ela levantou-se e foi abençoando com a sua própria mão cada um dos apóstolos. E todos deram glória a Deus. E o Senhor, depois de estender suas mãos puras, recebeu sua alma santa e imaculada.
No momento da sua imaculada alma sair, o lugar viu-se inundado de perfume e de uma luz inefável. E eis que se ouviu uma voz do céu que dizia: “Bendita és tu entre as mulheres”. Então Pedro, e também eu João, e Paulo e Tomé, abraçamos com toda a pressa os seus santos pés para que fôssemos santificados. E os doze apóstolos, depois de depositar seu santo corpo na ataúde, levaram-no.
Eis que, durante a caminhada, certo judeu chamado Jefonias, robusto de corpo, atirou-se impetuosamente contra o féretro que os apóstolos levavam. Mas imediatamente um anjo do Senhor, com força invisível e servindo-se de uma espada de fogo, separou as duas mãos dos seus respectivos braços e deixou-as penduradas no ar ao longo do féretro.
Ao operar-se este milagre, todo o povo judeu que havia presenciado exclamou aos brados: “Realmente é Deus o Filho a quem deste à luz, ó mãe de Deus e sempre Virgem Maria.” E o próprio Jefonias, intimado por Pedro para que reconhecesse as maravilhas do Senhor, levantou-se por detrás do féretro e pôs-se a gritar: “Santa Maria, tu que geraste Cristo-Deus, tem compaixão de mim”. Pedro então dirigiu-se a ele e disse-lhe: “Em nome de seu Filho, que as mãos que estão separadas de ti se juntem”. E apenas pronunciou essas palavras, as mãos que estavam dependuradas ao longo do féretro da Senhora separaram-se dele e de nosso uniram-se a Jefonias. E com isto ele próprio acreditou e deu graças a Cristo- Deus, que foi gerado por ela.
Operado este milagre, os apóstolos levaram o féretro e depositavam o seu santo e venerado corpo no Getsêmani, num sepulcro novo. E eis que daquele santo sepulcro de Nossa Senhora, a mãe de Deus, desprendia um delicado perfume. E durante três dias consecutivos ouviram-se vozes de anjos invisíveis que davam graças a seu Filho, Cristo nosso Deus. Mas, ao término do terceiro dia, deixaram de ouvir-se as vozes, com isto ficaram cientes de que o seu venerável e imaculado corpo havia sido transportado ao paraíso.
Verificado que ele havia sido transportado, vimos imediatamente Isabel, a mãe de São João Batista, e Ana, a mãe de Nossa Senhora, e Abraão, e Isaac, e Jacó e Davi que cantavam a Aleluia. E vimos também todos os coros dos santos que adoravam a venerável relíquia de luz, cujo resplendor não se compara a nada. E o local onde teve lugar o transporte de seu santo e venerável corpo ao paraíso estava saturado de perfume. E fez-se ouvir a melodia daqueles que cantavam hinos ao seu Filho, e era tão doce que somente às virgens é dado escutá-lo; e era tal, que nunca chegava a parecer demais.
Nós os apóstolos, após contemplarmos o augusto transporte de seu santo corpo, pusemo-nos a dar graças a Deus por haver permitido conhecermos suas maravilhas na passagem da mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por cujas orações e intercessão sejamos dignos de alcançar o poder de viver sob seu abrigo, amparo e proteção neste século e no futuro, dando graças em todo lugar e tempo a seu Filho unigênito, juntamente com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amém.