716

Bonifácio parte para ser missionário

De maneira semelhante a Elias no monte Carmelo, Bonifácio, o missionário saxão da Inglaterra, posicionou-se contra o paganismo profundamente arraigado no coração da Alemanha. Ele tinha um machado em sua mão, e, diante dele estava a enorme Arvore do Trovão [um carvalho], um marco local que os pagãos diziam ser consagrado ao deus do trovão, chamado Donar. Até mesmo alguns dos que haviam se convertido ao cristianismo, por meio da pregação de Bonifácio, adoravam secretamente diante daquela árvore.

Bonifácio denunciou aquela adoração falsa de maneira audaciosa.

Como representante do verdadeiro Deus dos cristãos, destruiu o santuário maligno. Ele atingiu aquela árvore “sagrada” com seu machado e, surpreendentemente, a Arvore do Trovão caiu, causando grande barulho.

Assim diz a lenda. Se os detalhes são verdadeiros ou não, eles retratam de maneira justa a audácia de Bonifácio, sua fé e seu incansável desafio às falsas religiões.

Nascido de pais cristãos no ano de 680, em Wessex, seu verdadeiro nome era Winfrid. Foi instruído em um mosteiro beneditino e ordenado aos trinta anos de idade. Possuía grande capacidade de aprendizado e liderança. Poderia ter ficado na Inglaterra, estudando, ensinando e talvez até mesmo dirigindo um mosteiro. Porém, seu coração queimava por outros que ainda não faziam parte do aprisco cristão. Milhares de compatriotas saxões nos Países Baixos e na Alemanha precisavam ouvir o Evangelho.

Em 716, Winfrid parte para a Frísia, onde missionários ingleses já haviam trabalhado por várias décadas. O rei da Frísia, Radbod, se opunha ao cristianismo. A pressão foi grande demais, e Winfrid voltou à Inglaterra após fracassar em sua primeira missão.

Seus colegas beneditinos pediram que servisse como abade de seu mosteiro. Depois daquela angustiante experiência na Frísia, ele se sentiu inclinado a aceitar o convite. Contudo, a visão de Winfrid ainda estava voltada para fora. Viajou para Roma em 718 e ali recebeu um comissionamento missionário por parte do papa. Ele deveria ir mais longe no continente, passar além do Reno, estabelecendo a igreja romana entre os povos germânicos.

A maior parte da Alemanha já havia sido exposta ao cristianismo de uma maneira ou de outra, mas não existia nenhuma igreja forte ali. No século iv, as tribos germânicas se apegaram ao arianismo e o misturaram às suas superstições. Algum tempo depois disso, os missionários celtas fizeram alguns convertidos, que não deram continuidade à missão, no sentido de organizar uma igreja naquele lugar. O papa estava ansioso para que a igreja estabelecesse sua presença ali.

Winfrid foi primeiro à Turíngia para reavivar uma igreja ali enfraquecida. A seguir, ouvindo que seu velho inimigo Radbod morrera, retornou à Frísia. A autorização papal pode ter dado a Winfrid maior autoridade sobre os governadores locais. Ele trabalhou ali por três anos e depois se mudou para o sudeste, seguindo para Hesse.

Voltou a Roma em 723 e foi consagrado bispo, quando recebeu um novo nome: Bonifácio. A ele também foi dada uma carta de apresentação para ser levada a Carlos Martelo, rei dos francos. A bravura de Carlos, como militar, era muito conhecida (mais tarde, ele expulsaria os muçulmanos da cidade de Tours). Sua assistência foi um grande apoio para Bonifácio.

Voltando para Hesse, Bonifácio continuou seus esforços para eliminar o paganismo e construir a igreja. Foi nessa ocasião que ele, como se supõe, derrubou a árvore sagrada. Talvez, o fato responsável por impedir que os cidadãos atacassem Bonifácio tenha sido o temor a Carlos Martelo. Seja como for, o final da lenda é que o cristianismo se tornou a nova força a ser enfrentada na Alemanha. Se os deuses germânicos não podiam sequer manter uma árvore em pé, então havia pouco a oferecer se fossem comparados ao Deus de Bonifácio.

Bonifácio atraiu vários missionários da Inglaterra — monges e freiras que estavam ansiosos para trabalhar ao lado dele. Com a ajuda deles, Bonifácio estabeleceu uma vigorosa organização eclesiástica por toda a região.

Ironicamente, seu protetor, Carlos Martelo, frustrava as tentativas de reforma da igreja entre os francos. Carlos manteve a igreja naquele local sob seu controle, apoderando-se de suas terras e vendendo propriedades da igreja. Somente depois de sua morte, em 741, é que Bonifácio pôde assumir a igreja franca.

Em 747, Bonifácio viajou mais uma vez para Roma, onde foi nomeado arcebispo de Mainz e líder espiritual de toda a Alemanha. Contudo, como ele já passava dos setenta anos, estava ansioso para concluir os negócios ainda em aberto. Depois de renunciar a seu arcebispado em 753, voltou para a Frísia, onde começara seu trabalho missionário. Ali, chamou de volta alguns de seus primeiros convertidos — que haviam voltado ao paganismo — e mudou-se mais uma vez, indo agora para regiões não alcançadas.

No domingo de Pentecoste de 755, em Dackum, perto do rio Borne, ele planejou um culto ao ar livre que serviria para uma pregação e para a confirmação de novos crentes. Enquanto estava ao lado do rio, preparando-se para o culto, um grupo de arruaceiros caminhou na direção de Bonifácio. Várias pessoas se prepararam para lutar contra os baderneiros e expulsá-los de lá, mas Bonifácio gritou: “Meus filhos, parem com esse conflito […] não tenham medo dos que matam o corpo, mas que não podem matar a alma […] Recebam com firmeza este momentâneo sopro de morte para que vocês vivam e reinem com Cristo para sempre”. Diz-se que ele morreu com os evangelhos nas mãos.

Os críticos dizem que Bonifácio foi simplesmente um homem de organização, que a maioria de seu “trabalho missionário” foi basicamente político, fomentando a fidelidade à igreja romana nas áreas onde ela era fraca. É verdade que ele ajudou a lançar os fundamentos do Sacro Império Romano e as políticas do papado medieval. Devido a Bonifácio, a Alemanha foi uma fortaleza da igreja romana até a época da Reforma.

Não se pode, porém, questionar a devoção pessoal de Bonifácio, sua coragem e seu serviço fiel. O historiador Kenneth Scott Latourette disse: “Poucos missionários cristãos, se é que existiram, apresentaram por meio de sua conduta, de maneira tão precisa quanto Bonifácio, os ideais da fé que tentavam propagar. Ele era humilde, a despeito das tentações que vieram com as altas posições eclesiásticas; sempre se colocou muito acima dos rumores do escândalo; foi um homem de oração e que tinha autoconfiança; assim como era corajoso, abnegado e apaixonado pela justiça. Bonifácio foi um dos maiores exemplos de vida cristã”.

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